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educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

Niveis e Tipos de Deficiência Mental

Introdução

O significado do termo educação alicerça as suas origens no Latim. Dentro desta etimologia, educação significa: criar, alimentar, extrair, conduzir, ou seja, o termo contém a ideia de um desenvolvimento dirigido que se processa em função das virtualidades endógenas mas condicionadas pelos seus contributos exógenos.

Este desenvolvimento processa-se em função das crianças e para que estas possam beneficiar de um ensino de qualidade e justo é imprescindível que os professores proporcionem um ensino individualizado, variando estratégias e diversificando metodologias.

Esta condição torna-se mais exigente se a acção do professor se dirigir a crianças portadoras de uma deficiência. Cabe então ao professor analisar todo o contexto escolar, social e familiar, no sentido de promover a diferenciação pedagógica e assegurar, de facto, a inclusão de crianças diferentes.

A escola do ensino regular abarca uma diversidade de alunos que devido às suas características heterogéneas dificultam o, já por si, difícil processo de ensino/aprendizagem. Não obstante, a diferenciação pedagógica a par da individualidade que tem o Projecto Curricular de Turma, assim se pretende, deverão constituir-se como factores facilitadores quer do processo de ensino/aprendizagem, quer da integração e, consequentemente, da inclusão da criança diferente.

Numa altura em que, cada vez mais, se fala em escola inclusiva, é imperioso que esta instituição, na pessoa do professor e dos demais funcionários, esteja preparada para trabalhar com a diversidade de alunos que a frequentam.

 É necessária uma mudança ao nível de mentalidades no que concerne à comunidade escolar mas também à comunidade em geral.

Como tal, é fundamental que se aposte na formação dos professores e dos demais funcionários/técnicos que participam no processo educativo da criança/jovem, especialmente quando se trata de crianças com Necessidades Educativas Especiais (NEE).

Dentro do grupo de alunos com NEE incluem-se os alunos com deficiência Mental, aos quais nos reportaremos ao longo do nosso trabalho.

Estas crianças apresentam determinadas características e, na maioria das vezes, dificuldades cognitivas que influenciam e, ao mesmo tempo, podem prejudicar a sua aprendizagem. Para além destas dificuldades estes alunos poderão apresentar problemas ao nível da autonomia pessoal e social, comunicação, relações sócio-afectivas, entre outros.

Ao longo da reflexão, acerca desta problemática, que nos propusemos fazer, iremos não só especificar algumas dessas características e dificuldades mas também tentar apresentar algumas estratégias de actuação, que se devidamente adequadas, poderão ser um contributo para melhorar o trabalho com estas crianças e ajudar o professor na sua prática pedagógica.

1- Enquadramento teórico

1.1 - Deficiência mental

Para definirmos deficiência mental temos, obrigatoriamente, de pensar em quociente de inteligência, na medida em que esta deficiência interfere directamente com o funcionamento intelectual de qualquer ser humano.

Contudo, nem todos os seres humanos possuem um desenvolvimento intelectual igual entre si, alguns sofrem de distúrbios intelectuais que advém de causas diversas.

 Considerando as causas e os reflexos dos mesmos assim se identifica o tipo de deficiência de que uma criança possa sofrer.

Desta forma, podemos então dizer que uma criança que apresente um funcionamento mental geral abaixo da média, associado a problemas de comportamento adaptativo, que se reflectem quer a nível académico, quer a nível social, e ainda se estes problemas remontarem às primeiras fases de desenvolvimento que estamos perante um caso evidente de deficiência mental.

Já Fonseca em (1989: 29) definia a criança deficiente como sendo “a criança que se desvia da média ou da criança normal em: 1) características mentais; 2) aptidões sensoriais; 3) características neuromusculares e corporais; 4) comportamento emocional e social; 5) aptidões de comunicação e 6) múltiplas deficiências, até de justificar e requerer a modificação das práticas educacionais ou a criação de serviços de educação especial no sentido de desenvolver ao máximo as suas capacidades”.

Segundo a American Association of Mental Retardition (A.A.M.R., 1992) a deficiência mental define-se como funcionamento intelectual geral significativamente inferior à média, que interfere nas actividades adaptativas e cognitivas.

A mesma fonte refere ainda que o estado de redução notável do funcionamento intelectual, significativamente inferior à média, se associa em dois ou mais aspectos do funcionamento adaptativo, tais como: comunicação, cuidado pessoal, competência doméstica, habilidades sociais, utilização de recursos comunitários, autonomia, saúde e segurança, aptidões escolares, lazer e trabalho.

1.2 - Inteligência

A estrutura da inteligência é explicada através de três teorias: monárquica, oligárquica ou bifactorial e multifactorial.

A primeira defende que a inteligência é uma faculdade única ou unitária não composta por outras faculdades inferiores e remonta ao século XIX.

A segunda, bifactorial, defende a existência de um factor geral, «G», denominado de inteligência geral e um factor específico, «S», constituído pela capacidade concreta para cada tipo de actividade. Esta teoria, defendida por Spearman (cit. por Bautista, 1997), define a inteligência como um conjunto formado pelo factor «G» e os factores «S». Thurstone (cit. por Bautista, 1997), no que refere à teoria multifactorial, defende que a inteligência é constituída por um conjunto de factores independentes entre si.

Segundo o autor existem treze factores, dos quais os seis primeiros são considerados capacidades primárias: compreensão verbal, fluência verbal, factor espacial, factor numérico, factor memória e factor raciocínio ou indução.

Com base nestas teorias podemos considerar que a inteligência se apresenta numa concepção determinista, considerando-a de forma estática e reduzindo a capacidade mental a um número.

Ao falarmos de Quociente de Inteligência (Q.I.) devemos atender a que, aparentemente, duas pessoas possuem um Q.I. igual, contudo têm diferentes capacidades de resposta e de adaptação ao meio.

Segundo Sainz e Mayor (1989, cit. por Pacheco 1997: 209) a inteligência pode ser definida como: “capacidade para aprender, capacidade para pensar abstractamente, capacidade de adaptação a novas situações, … [e ainda como] conjunto de processos cognitivos como memória, caracterização, aprendizagem e solução de problemas, capacidade linguística ou de comunicação, conhecimento social, …”.

Assim sendo, poderemos dizer que a inteligência é a capacidade que nos permite adaptar, realizar, resolver problemas, interpretar futuros estímulos para modificar comportamentos, acumular conhecimentos ou mesmo responder a itens num teste de inteligência.

Todavia, esta posição nem sempre foi aceite da mesma forma, houveram opiniões distintas, como o caso de Binet (1905, cit. por Vieira e Pereira, 2003) que considerava a inteligência como um fenómeno unitário, singular indivisível, considerando, no entanto, a inteligência como um feixe de tendências.

Por sua vez, Wechsler (1994, cit. por Vieira e Pereira, 2003) apresenta uma opinião controversa, entendendo o fenómeno da inteligência como um fenómeno agrupado, composto por muitas aptidões mentais distintas.

Todavia, estudos realizados desde Patton (1986, cit. por Vieira e Pereira, 2003: 42) até Edwards e Scannel (1968, cit. por Vieira e Pereira, 2003: 42) realçam a importância de se ter em consideração dois aspectos fundamentais da inteligência: “o potencial inato do indivíduo e a expressão funcional do potencial como capacidade utilizável e utilizada”.

Os mesmos autores ainda reforçam a ideia de que o potencial inato é fisiológico enquanto que os aspectos funcionais são comportamentais.

1.3 - Quociente de inteligência

A inteligência, sendo um constructo teórico, tem a vantagem de fornecer uma forma conceptual para explicar as diferenças entre os indivíduos, apresenta-se como mensurável.

Todavia, para se medir a inteligência é de suma importância ter em consideração os seus aspectos fundamentais.

Se considerarmos, tal como refere Binet (1905, cit. por Vieira e Pereira, 2003), a inteligência como uma característica unitária, temos que assumir que a deficiência mental resulta de um problema nessa única característica.

Porém, se considerarmos, tal como Wechsler (1994, cit. por Vieira e Pereira, 2003), que a inteligência é uma capacidade agregada, composta por aptidões específicas, então consideramos que a deficiência mental resulta de vários problemas na área da inteligência, podendo cada uma dessas áreas ser avaliada na escala do referido autor, o que torna o problema bem mais complexo de analisar.

Através da aplicação desta escala podemos diagnosticar a deficiência mental nos seus vários níveis, consoante o resultado do teste de Q.I., que é uma abreviatura do Quociente de Inteligência, apresentado pelo indivíduo.

O conceito de Q.I. foi introduzido por Stern (cit. por Bautista, 1997), mas o teste que nos permite medi-lo foi apresentado por Binet (1905, cit. por Vieira e Pereira, 2003) e é o resultado da multiplicação por 100 do quociente obtido pela divisão da Idade Mental (IM), pela Idade Cronológia (IC), que normalmente aparece sob a forma da fórmula seguidamente apresentada.

De referir que a IM é determinada em função da idade em que uma criança média é capaz de desempenhar determinadas tarefas, isto é, a determinados estádios de desenvolvimento correspondem determinadas idades cronológicas e esperam-se determinados desempenhos que se desejam coerentes.

Se esses desempenhos não corresponderem ao esperado temos IM diferente da IC e Q.I. inferior ou superior a 100, já que se preconiza que o resultado do teste de Q.I. de uma criança média é 100.

É muito importante lembrar que um teste de Q.I. não mede a maioria dos tipos de capacidades humanas, como por exemplo: talento musical, artístico, estabilidade emocional, coordenação física ou nível espiritual.

Podemos mesmo dizer que nenhum teste é capaz de medir todas as capacidades intelectuais humanas. Usa-se o teste de Q. I. sobretudo para obter dados sobre o conhecimento académico e prático. Muito embora o teste de Q.I. meça apenas algumas das capacidades mentais de um ser humano estas capacidades são usadas como padrão, porque elas são bem conhecidas e permitem correlacionar muitas outras capacidades humanas.

Apenas um perfil científico de inteligência pessoal completo nos dará, com maior detalhe, todo o alcance e variedade das suas capacidades mentais.

2 - Caracterização dos vários níveis de deficiência mental

Existem diferentes correntes para determinar o grau da deficiência mental, mas as técnicas psicométricas são as mais utilizadas medindo o Q. I. para a classificação de cada grau.

De acordo com a Associação Americana para a Deficiência Mental e com Organização Mundial de Saúde (cit. por Bautista, 1997) o resultado do teste de Q.I. traduz-se em cinco graus de deficiência mental e distribuem-se em grupos:

Limite ou bordeline:

QI - 68-85

 IM – 13

Estádio de desenvolvimento – Operações concretas

 Ligeiro:

QI - 52-67

IM – 8-12

Estádio de desenvolvimento – Operações concretas

Moderado ou Médio:

QI - 36-51

IM – 3-71

Estádio de desenvolvimento – Pré Operatório

Severo ou Grave:

QI - 20-35

IM – 3-7

Estádio de desenvolvimento – Sensório Motor

Profundo:

QI - Inferior a 20

IM – 0 a 3

Estádio de desenvolvimento – Sensório Motor

Limite ou bordeline

Recentemente introduzido na classificação não reúne, ainda, consenso entre os diferentes autores sobre se deveria ou não fazer parte dela. Crianças que se enquadrem neste nível, não se pode dizer, que apresentem deficiências mentais porque são crianças com muitas possibilidades, revelando apenas um ligeiro atraso nas aprendizagens ou algumas dificuldades concretas. Crianças de ambientes sócio-culturais desfavorecidos podem ser aqui incluídas, assim como as crianças com carências afectivas, de famílias mono-parentais, entre outras, que apresentam desfasamentos nos aspectos de nível psicológico ligeiro, razões que justificam estas resistência de consensualidade.

Ligeiro

Inclui a grande maioria dos deficientes que, tal como na anterior, não são claramente deficientes mentais, mas pessoas com problemas de origem cultural, familiar ou ambiental. Podem desenvolver aprendizagens sociais ou de comunicação e têm capacidade de adaptação e integração no mundo laboral. Apresentam um atraso mínimo nas áreas perceptivo-motoras. Na escola detectam-se com mais facilidade as suas limitações intelectuais, podendo contudo, alcançar um nível escolar equivalente ao 1º Ciclo do Ensino Básico. Geralmente não apresentam problemas de adaptação ao ambiente familiar.

Moderado ou médio

Neste nível estão considerados os deficientes que podem adquirir hábitos de autonomia pessoal e social, tendo maiores dificuldades que os anteriores. Podem aprender a comunicar pela linguagem verbal, mas apresentam, por vezes, dificuldades na expressão oral e na compreensão dos convencionalismos sociais. Apresentam um desenvolvimento motor aceitável e tem possibilidades de adquirir alguns conhecimentos pré-tecnológicos básicos que lhe permitam realizar algum trabalho. Dificilmente chegam a dominar técnicas instrumentais de leitura, escrita e cálculo.

Severo ou grave

Os indivíduos que se enquadram neste nível necessitam geralmente de protecção ou de ajuda, pois o seu nível de autonomia pessoal e social é muito pobre. Por vezes têm problemas psicomotores significativos. Poderão aprender algum sistema de comunicação mas a sua linguagem verbal será sempre muito débil. Podem ser treinados em algumas actividades de vida diária (AVD) básicas e aprendizagens pré-tecnológicas muito simples.

Profundo

Este nível aplica-se só em caso de deficiência muito grave em que o desempenho das funções básicas se encontra seriamente comprometido. Estes indivíduos apresentam grandes problemas sensório-motores e de comunicação com o meio. São dependentes de outros em quase todas as funções e actividades, pois os seus handicaps físicos e intelectuais são gravíssimos. Excepcionalmente terão autonomia para se deslocar e responder a treinos simples de auto-ajuda.

Dentro destas perspectivas apresenta-se um breve esclarecimento referente à independência e educabilidade da criança portadora de deficiência mental. Segundo Grossam (1983, cit. por Vieira e Pereira, 2003) existem três níveis de educabilidade dos deficientes mentais.

CLASSIFICAÇÃO EDUCATIVA

Níveis de DM:

Educável- Capaz de aprender matérias académicas (leitura, escrita e matemática).

Treinável- Capaz de aprender as tarefas necessárias na vida diária (comer sozinho, vestir-se, cuidar da sua higiene pessoal).

Grave e profunda- Não é capaz de valer-se por si mesmo, inclusive nas AVD`s e comunicação a nível funcional.

2.1 - Características evolutivas do deficiente mental

Nos deficientes mentais, tais como nos outros indivíduos, o comportamento pessoal e social é muito variável e não se pode falar de características iguais em todos os indivíduos com deficiência mental.

Não existem duas pessoas, deficientes ou não, que possuam as mesmas experiências ambientais ou a mesma constituição biológica o que faz com que comportamentos idênticos correspondam a diagnósticos distintos.

A variedade é enorme, mas existem determinadas características em que, apesar da diferença entre uns e outros ser grande, permitem adiantar uma decisão.

Contudo, depois de feitos estudo experimentais, identificaram-se algumas características específicas que distinguem os deficientes mentais dos outros. Destas, segundo Quiroga (cit. por Bautista, 1997), podemos considerar características físicas, de personalidade e sociais, que de uma forma mais concreta nos facilitam a avaliação e permitem uma actuação adequada.

CARACTERÍSTICAS ESPECIFICAS DOS DEFICIENTES MENTAIS

 Físicas:

Falta de equilíbrio;

Dificuldades de locomoção;

Dificuldades de coordenação;

Dificuldades de manipulação.

Pessoais:

Ansiedade;

Falta de auto-controlo;

Tendência para evitar situações de fracasso mais do que para procurar o êxito;

Possível existência de perturbações da personalidade;

Fraco controlo interior.

Sociais:

Atraso evolutivo em situações de jogo;

Atraso evolutivo em situações de lazer;

Atraso evolutivo em situações de actividade sexual.

Uma observação cuidada e especifica de cada individuo, com base nas características associadas a cada domínio, apresentar-se-á como uma mais valia para rentabilizar as aprendizagens privilegiando as áreas mais fracas da criança.

3 - O papel do professor no desenvolvimento de programas para crianças deficientes mentais

3.1 - Etapas educativas

Existem três etapas educativas que podem ser estabelecidas para potenciar o mais possível o desenvolvimento do deficiente mental, a saber:

- a educação em casa;

- a educação no Jardim de Infância;

- a educação no 1º Ciclo do Ensino Básico.

No que refere à educação em casa, as primeiras fases de desenvolvimento são de extrema importância para a criança. É nesta fase que têm as maiores hipóteses de êxito.

Segundo Speck (1978, cit. por Bautista, 1997), estas possibilidades baseiam-se em alguns princípios que importa referir:

- o meio ambiente que tem uma enorme influência na aprendizagem, através da estimulação directa ou indirecta que é dada à criança;

- os primeiros anos de infância que são o período mais propício para a estimulação, visto corresponderem à fase da sua vida em que o desenvolvimento psico-físico é mais rápido;

- tudo o que a educação pode dedicar à criança nestas idades exige menor esforço educativo do que em idades mais avançadas.

As primeiras pessoas a desempenharem essa função educativa são os pais e/ou pessoas que fazem parte do seu ambiente familiar. Daí a necessidade destes receberem apoio e orientação acerca das possibilidades de desenvolvimento da criança, para que, assim, possam promover desde cedo o seu desenvolvimento.

A educação precoce deverá fomentar todos os aspectos do desenvolvimento de uma criança, como a motricidade, a percepção, a linguagem, a socialização e a afectividade.

Estes aspectos devem ser tratados em conjunto e a acção educativa nunca se deve converter num treino de funções isoladas.

Relativamente à educação no Jardim de Infância a actuação pedagógica deverá ser orientada como uma aprendizagem organizada. De acordo com Speck (1978, cit. por Bautista, 1997), as tarefas principais que a educação pré-escolar deverá abranger serão: a estimulação e motivação para a aprendizagem a para as relações interpessoais; educação sensório e psico-motora orientada para a estimulação e a motricidade; treino de autonomia e hábitos de higiene para que se possam cuidar sozinhos ou com pouca ajuda; educação rítmica; iniciação à comunicação social e verbal para que se sintam integrados e consigam comunicar com os que os rodeiam.

No que concerne à educação no 1º Ciclo deve-se investir no desenvolvimento de todas as potencialidades da criança deficiente, com o objectivo de a preparar para enfrentar sozinha o mundo em que tem de viver, ou seja, torná-la autónoma. Deste modo, devem ser facultadas todas as actividades que contribuam para a aquisição das competências e capacidades necessárias tendo em vista o desenvolvimento humano integrado, isto é, como membro de uma sociedade.

Referindo Bach (1969, cit. por Bautista, 1997), podemos falar de várias áreas de desenvolvimento, nomeadamente a socialização, a independência, destreza, domínio corporal, capacidade perceptiva e de representação mental, linguagem e afectividade.

O professor ao defrontar-se com uma criança deficiente deverá gerir e seleccionar os objectivos e os conteúdos programáticos em função da situação individual da criança, considerando assim as suas potencialidades e necessidades.

As escolhas devem considerar os princípios piagetianos, nomeadamente:

- o princípio activo, em que o ensino deve ser o mais afastado possível da teoria;

-o princípio da estruturação, em que o ensino deve ser subdividido em pequenas etapas;

-o princípio da transferência, no qual o ensino deverá ser repetitivo e interactivo, objecto/realidade;

-a associação da linguagem e da acção, através do qual o ensino deverá estabelecer uma relação entre o sistema de sinais verbais e a experiência em curso, cada acção deverá estar ligada a uma palavra;

-a motivação para as aprendizagens sociais que prevê que o ensino crie situações positivas de aprendizagem, nos aspectos sociais e afectivos.

Para além destes princípios, o professor deverá ter em atenção o grau de deficiência do aluno e as suas capacidades e/ou limitações. Segundo Sloan e Birch (1955, cit. por Fonseca: 1989) a criança com deficiência apresenta um quadro de comportamentos adaptativos, de acordo com a idade em que se encontra, que poderão ajudar o professor a adequar o seu comportamento e prática pedagógica.

COMPORTAMENTOS ADAPTATIVOS

Ligeiro:

Idade pré-escolar (0-5 anos)

Maturação de desenvolvimento:

- pode desenvolver aquisições de comunicação e sociabilidade;

- atraso mínimo nas áreas sensório-motoras;

- não se distingue da criança normal senão numa idade mais avançada.

Idade escolar (6-21 anos)

Educação e treino:

- pode aprender aquisições académicas até ao 6º ano;

- não pode aprender assuntos de nível secundário;

- precisa de educação especial ao nível do secundário.

Idade adulta/Ajustamento social:

- capaz de ajustamento social e vocacional;

- precisa frequentemente de supervisão perante situações económicas e sociais sofisticadas.

Moderado:

Idade pré-escolar (0-5 anos)

Maturação de desenvolvimento:

- pode aprender a falar e a comunicar;

- reduzida consciência social;

- desenvolvimento motor satisfatório;

- pode beneficiar de treino nas áreas de auto-suficiência;

- pode ser orientado com uma supervisão moderada.

Idade escolar (6-21 anos)

Educação e treino:

- pode aprender aquisições académicas funcionais até ao 4º ano de escolaridade integrado em educação especial. Idade adulta/Ajustamento social

- apto para ocupações qualificadas;

- precisa de orientação em situações que exijam o mínimo de aquisições.

Severo:

Idade pré-escolar (0-5 anos)

Maturação de desenvolvimento:

- desenvolvimento motor pobre;

- a fala é mínima;

- não beneficia do treino nas áreas de auto-suficiência;

- poucas aquisições na área da comunicação.

Idade escolar (6-21 anos)

Educação e treino:

- pode falar ou aprender a comunicar;

- pode ser treinado nos hábitos de higiene;

- não aprende as aquisições académicas funcionais;

- beneficia de hábitos de treino sistemático.

Idade adulta/Ajustamento social

- pode contribuir parcialmente em tarefas completamente supervisionadas;

- pode desenvolver comportamentos de auto-protecção em envolvimentos controlados.

Profundo:

Idade pré-escolar (0-5 anos)

Maturação de desenvolvimento:

- grande atraso;

- capacidades mínimas para funcionar nas áreas sensório-motoras;

- necessita de cuidados maternais.

Idade escolar (6-21 anos)

Educação e treino:

- regista-se algum desenvolvimento sensório-motor;

- raramente beneficia de treino na área da auto-suficiência;

- necessita de cuidados permanentes.

Idade adulta/Ajustamento social:

- algum desenvolvimento motor e da fala;

- incapaz de auto-manutenção;

- precisa de cuidados de supervisão permanentes.

A área de maior desenvolvimento das crianças deficientes é a do domínio comportamental, uma vez que, o potencial inato é fisiológico e os aspectos funcionais são comportamentais.

São estes comportamentos que, definidos por Grossman (1983: 157, cit. por Vieira e Pereira, 2003: 43) como “a eficácia ou o grau com que o indivíduo encontra o padrão de independência pessoal, responsabilidade social esperada para a sua idade e grupo cultural”, ajudam a criança a adaptar-se às situações quotidianas.

Assim sendo, os professores e educadores deverão centrar-se sobretudo no domínio comportamental, uma vez que, é neste campo que ocorrem o diagnóstico e a intervenção educativa.

3.2 – Diagnóstico e sistemas de apoio

A nova dimensão está baseada num enfoque multidimensional que pretende ampliar a conceptualização de deficiência mental e evitar a confiança excessiva depositada no Q.I., como critério para ascender a um nível de deficiência mental e relacionar as dificuldades individuais do sujeito, com os níveis de apoio adequados.

Esta orientação permite descrever as trocas que se produzem ao longo do tempo e avaliar as respostas do indivíduo às orientações presentes, às trocas com o meio envolvente e às intervenções educativas e terapêuticas.

Neste contexto, a AAMR estabelece quatro dimensões diferentes de avaliação:

- dimensão I – funcionamento intelectual e habilidades adaptativas;

- dimensão II - considerações psico-emocionais;

- dimensão III – considerações físicas, de saúde e etiológicas;

- dimensão IV – considerações ambientais.

A avaliação realizada, somente, com base nestas dimensões pode ter repercussões importantes e comprometedoras na sua aplicação a outros tipos de capacidades, nomeadamente psíquicas, físicas, sensoriais.

Tal como afirma João dos Santos (1982, cit. por Inês Sim-Sim 2005: 28), “o diagnóstico de alguém pode tornar-se o diagnóstico contra alguém”.

O enfoque multidimensional requer uma avaliação descritiva da pessoa portadora de deficiência mental de um modo compreensivo e global, mas rigoroso e específico, que realce os pontos seguintes:

- existência de deficiência mental versus outras possíveis capacidades;

- as potencialidades e as limitações existentes nos aspectos psicológicos, emocionais, físicos e de saúde;

- as características do meio envolvente a que o sujeito está habituado, que influenciam o desenvolvimento do sujeito e a sua satisfação;

- as melhores características que o rodeiam e que permitem desenvolver o apoio necessário, para facilitar a independência/interdependência, produtividade e integração da pessoa na comunidade.

Com base nos estudos de Bronfenbrenner, este tipo de avaliação, chamada ecológica, é conducente ao desenvolvimento de programas de intervenção.

Assim, e tendo presente as 4 dimensões definidas pela AAMR, o processo de avaliação estrutura-se numa série de passos que começam com o diagnóstico de diferencial da deficiência mental, desenrola-se através da classificação e descrição do sujeito na base das suas potencialidades e limitações, nas diversas dimensões, e na relação com o meio em que está envolvida e finaliza com a determinação dos apoios necessários a cada uma das dimensões propostas.

Para melhor percepcionar a estrutura do processo de avaliação, achamos conveniente especificar os passos a seguir:

1º passo – diagnóstico do atraso mental. Este serve para diagnosticar a fim de determinar os apoios recomendáveis, enquadra-se na dimensão I.

2º passo – classificação e descrição. Identificam-se os pontos fortes e fracos assim como quais os apoios específicos necessários, enquadra-se na dimensão II, na dimensão III e na dimensão IV.

3º passo – perfil e intensidade dos apoios necessários, identificando-os, enquadra-se nas 4 dimensões.

Concluído este processo de avaliação, procede-se à implementação das medidas adoptadas que deverão ser alargadas à comunidade educativa, tendo em vista os possíveis sistemas de apoio que podem suprir as carências existentes.

3.3 – Intervenção pedagógica

A primeira condição para compreender o deficiente mental e implementar o seu processo educativo é aceitar a condição de que o deficiente é, como todo o homem, um animal educandum.

Partindo deste pressuposto, estamos perante uma realidade em devir que, pela educação e aprendizagem, o individuo passa do ser ao ser mais.

Por tal, devemos partir do princípio que o deficiente mental é um ser humano com possibilidades a nível educacional e social, pelo que deve ser estimulado ao nível do desenvolvimento cognitivo e nunca excluído das acções sociais diárias.

Os deficientes mentais podem conseguir aquisições muito complexas a todos os níveis. Reportando-nos às teorias Piagetianas, poderemos dizer que todos eles aprendem, basta que as condições sejam favoráveis uma vez que, a adaptação às situações passa por um equilíbrio e uma organização entre os processos de assimilação e de acomodação.

Assim sendo, somos confrontados com a necessidade de criar currículos que assentem nas teorias do desenvolvimento, tendo sempre em conta os períodos críticos da criança. Deste modo, o conhecimento pormenorizado das sequências de desenvolvimento apresenta-se imprescindível, apesar de haver alguma variação, consoante os autores, há unanimidade quanto à integração/inclusão, o mais possível, do indivíduo na vida normal de uma sociedade.

O currículo escolhido para uma criança deficiente terá de respeitar o seu nível de aptidão, terá que se adequar ao seu perfil intra-individual, garantindo assim que os objectivos a atingir partam de pressupostos concretos. Surgem assim os currículos alternativos e funcionais que se destinam a desenvolver competências que permitam à criança deficiente funcionar de forma autónoma e eficaz nos diferentes ambientes em que se insere.

O currículo deve, em todas as suas áreas, orientar-se numa linha de análise de tarefas, pela simples razão de que o insucesso gera frustração, confusão, desinteresse, desvalorização entre outros sentimentos negativos.

A análise de tarefas é um sistema de observação e de (re)avaliação de acordo com o desenvolvimento da criança, evitando, desta forma, colocá-la perante tarefas demasiado fáceis, o que provoca desinteresse, ou demasiado difíceis, levando à frustração. Para evitar esta situação devemos elaborar, para a criança deficiente mental, um bom programa educacional que, no concreto, vise a prevenção dos efeitos secundários da deficiência mental.

Considerações finais

De acordo com o Parecer elaborado pelo Conselho Nacional de Educação (1999) “a maioria das crianças e jovens com necessidades educativas especiais é constituída por aqueles que apresentam dificuldades de aprendizagem e/ou problemas de comportamento, de socialização ou de saúde que não se relacionam com qualquer deficiência”.

Os alunos com deficiência mental apresentam dificuldades ao nível da aprendizagem, contudo, a escola do ensino regular deve estar preparada para os receber.

O ensino inclusivo, tão referenciado pelo Despacho Conjunto 105/97, requer o empenho e esforço de todos os intervenientes no processo educativo, escola, família e comunidade, em trabalho de parceria.

O Ministério da Educação, ECAE´s e órgãos de gestão e administração das escolas deveriam trabalhar de uma forma articulada, de modo a proporcionar formação aos professores que trabalham com alunos com deficiência mental, promovendo acções de sensibilização e de formação acerca das temáticas relacionadas com esta problemática.

Por sua vez, os professores e técnicos que trabalham com a criança deveriam trabalhar em parceria, uma vez que as medidas de comportamento adaptativo, para estas crianças, não podem ser administradas directamente em gabinetes, devem sim resultar de uma série de observações em diferentes contextos e durante períodos consideráveis de tempo, por parte desses intervenientes.

As escolas do ensino regular deveriam estar munidas de recursos humanos e materiais que auxiliassem a integração e aprendizagem deste alunos, nomeadamente, professores de apoio especializados, psicólogos, terapeutas, entre outros técnicos que possam contribuir para melhorar as práticas pedagógicas do professor que trabalha com estas crianças.

Com a realização deste trabalho percepcionamos que os alunos com deficiência mental apresentam um conjunto de características específicas que dificultam a sua integração na escola e consequentemente a sua aprendizagem, por tal, pretendemos, de alguma forma, poder contribuir para promover a inclusão, facilitar a avaliação de diagnóstico, melhorar as práticas pedagógicas (a nível pessoal e profissional) e fomentar o sucesso educativo da criança portadora de deficiência mental.

Todavia não podemos nunca esquecer que de nada vale este empenho por parte do professor se o aluno não tiver uma participação activa no processo, na medida em que, é fundamental “reforçar as capacidades do sujeito para gerir ele próprio os seus projectos, os seus processos, as suas estratégias” (Perrenoud, 1999: 97).

Só através do conhecimento do historial clínico e do processo de desenvolvimento da criança portadora de deficiência mental, das causas e das características típicas dessa deficiência e das possibilidades de educabilidade se poderá elaborar, em consciência, um Plano Educativo Individual e consequentemente um Programa Educativo, que se ajuste às suas necessidades e contribua para uma efectiva aprendizagem e desenvolvimento de competências e capacidades garantindo-lhe, assim, o sucesso.

Autoria:

Prof. Fernanda Ferreira

Prof. Marília Dias

Prof. Pedro Santos

Data: Fevereiro de 2006

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