Acompanhamento Terapêutico: Uma Introdução
O Acompanhamento Terapêutico ( A.T.) é uma nova opção de tratamento à clientes que se encontram em um momento de intenso sofrimento psíquico. O Acompanhamento Terapêutico é um trabalho diferenciado em que o terapeuta (geralmente psicólogo clínico) acompanha o paciente nas mais diversas tarefas e actividades diárias, possibilitando-lhe lidar com as questões conflitantes, emergentes destas actividades.
Como o nome mesmo refere, o terapeuta acompanha seu cliente. Esse acompanhamento é tanto em seu ambiente familiar, de trabalho como em actividades ao ar livre, como passeios, actividades desportivas, culturais e outras.
O A.T. participa da reconstrução simbólica do sujeito após o desencadeamento da crise ou de um momento de intensa necessidade, por envolver certo sofrimento psíquico que paralisa ou prejudica a pessoa em suas actividades diárias. Estando inserido em uma equipe de trabalho multiprofissional (psiquiatra, psicanalista, terapeuta familiar, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, entre outros), participa da construção de projectos terapêuticos singulares para cada cliente.
Geralmente o acompanhamento terapêutico é indicado pelo médico, profissional da saúde que esta acompanhando o caso, ou pelo próprio psicólogo que na entrevista inicial com o cliente avalia qual a melhor abordagem terapêutica para o caso. Sendo verificada a necessidade de acompanhamento terapêutico, o profissional elabora, juntamente com o cliente, um projecto terapêutico. Neste projecto serão apontadas e planejadas as questões a serem trabalhadas e as metas a serem alcançadas. Tal projecto será constantemente revisto e discutido com o cliente.
O A.T. demonstra ser um recurso de reinclusão social cada vez mais utilizado no campo da saúde mental. Como clínica de articulação, visa o alívio do sofrimento por meio do contorno dado em actividades sociais, culturais assim como a interrelação e a reinserção na realidade socio-cultural do cliente. Seu campo de trabalho é o próprio espaço público, fora das instituições convencionais de tratamento ou consultórios.
Tal modalidade tem seu surgimento em aproximadamente 1971 a partir de sua implantação na Argentina - surgiu como alternativa de tratamento para pacientes crónicos que não respondiam ao tratamento convencional (baseado na internação com tempo indeterminado e grupos terapêuticos).
Juntamente com a Reforma Psiquiátrica e a assim chamada Luta Antimanicomial o A.T. apresentou-se como uma possibilidade de efectivar algumas proposições destas últimas. Remetendo à afirmação de Ghertman (1997, p.233), “dentro da cena da saúde mental moderna o AT já aparece como peça fundamental na ajuda à desinstitucionalização de pacientes crónicos”.
A desinstitucionalização é algo fundamental para o tratamento contemporâneo, pois nesta busca-se estimular a autonomia e desenvolvimento do paciente, que é activo em seu processo terapêutico, e não sua acomodação e dependência frente ao tratamento.
Tendo também em vista a LEI Nº 10.216, de 6 de Abril de 2001, sobre as reformulações na política da Saúde Mental, assinada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso no Art. 4º, parágrafo um temos “ O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.”
Assim como o Art. 5º : “ O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de suporte social, será objecto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida...”
Esta lei toca no trabalho de A.T. quando frisa a importância de se trabalhar a reabilitação psicossocial de pacientes institucionalizados em clínicas e hospitais psiquiátricos. A reinclusão social é o que objectiva o trabalho deste singular promotor da saúde mental.
Não que o trabalho deste profissional esteja vinculado exclusivamente à casos psiquiátricos – mas foi neste meio que teve sua origem. Hoje o A.T. desenvolve projectos com os mais diversos quadros clínicos, citando alguns: quadros depressivos, quadros fóbicos, depentes químicos, distúrbios alimentares, entre muitos outros.
As nomenclaturas que antecederam o A.T. foram muitas: “auxiliar psiquiátrico, atendente grude, amigo qualificado” e outras. A mudança na nomenclatura demonstra a transformação da postura e actuação deste profissional. Deixou de ser mero acompanhante ou babá, para tornar-se um profissional que dará contornos e continência frente ao sofrimento psíquico de seu cliente por meio de intervenções, falas e gestos no espaço aberto da cidade.
Esta modalidade de tratamento encontra-se hoje principalmente em instituições de saúde mental e consultórios psicológicos, nos quais tal trabalho destaca-se pelas contribuições feitas tanto nas discussões clínicas de caso, como no próprio projecto de reabilitação social do atendido.
Ainda é difícil encontrar A.T.s que desenvolvam tal trabalho independentemente de uma equipe clínica, até porque sua inserção em uma equipe multiprofissional é fundamental, não só para o profissional, mas principalmente para o cliente. Como nos expõe Hermann (2001, pag.24) “É de fundamental importância que o trabalho em equipa se estabeleça e que, a heterogeneidade e cooperação dos profissionais envolvidos no caso sejam mantidas, para que o paciente perceba a existência de uma rede de profissionais articulados e com boa capacidade de contenção diante dos fenómenos psicóticos.”
Coloca-se agora uma pergunta frequente: o A.T. é uma espécie de babá?
Definitivamente não. Dependendo do caso acompanhado pode-se até ter esta ideia, quando se olha este trabalho com olhos leigos e não se sabe o que está envolvido no acompanhamento. No caso de uma estrutura psicótica, o A.T. fará sim um trabalho de tradução da realidade, o que muitas vezes pode lembrar o cuidadoso trabalho de uma babá. Mas a escuta e o cuidado nos manejos são totalmente diversos. O objectivo é tornar o cliente activo frente suas dificuldades e sofrimento para superá-los. O trabalho do A.T. leva em conta não permitir que o cliente fique dependente das soluções e formulações criadas pelo terapeuta, mas que desenvolva suas próprias. É preciso provocar o movimento de busca no cliente. Leva-lo às suas formulações, reflexões e invenções criativas em seu meio. Também saber pontuá-las, valorizando-as assim quando ocorrem, por isso a importância da escuta de um profissional clínico. É importante a atenção do acompanhante para não transformar-se em modelo. Ele possivelmente será eleito pelo cliente como tal, mas não pode se basear só nisto para actuar clinicamente.
O projecto terapêutico antes elaborado com o terapeuta, será depois transformado em descobertas pessoais e linha guia para a vida do sujeito, desta maneira reforça-se a afirmação clínica feita por Jacques Lacan: “ O diagnóstico no início, é do analista, ao final, é do analisando”.
Agora remetendo à outra questão frequente: O A.T. ocorre apenas com pacientes psicóticos, psiquiátricos? Ele é possível com paciente neuróticos ?
O A.T. não se restringe apenas a pacientes psicóticos. A diferença está principalmente no Projecto Terapêutico. Com um paciente psicótico o trabalho é a longo prazo e é na maioria das vezes uma construção visando a reabilitação e reinclusão psicossocial – o trabalho em equipa multiprofissional é importante. No caso de pacientes neuróticos o trabalho é geralmente a curto prazo e a questão abordada é mais focal. Claro, é importante fazer a ressalva de que isto varia de caso para caso. Na maioria das vezes o A.T. trabalhará fobias sociais, toxicomanias, distúrbios e transtornos em geral que impliquem um trabalho mais voltado às actividades diárias, de reinserção e reinclusão socio-cultural, para o restabelecimento e tratamento pleno do paciente.
Ainda haveria muito a se abordar sobre esta nova modalidade de tratamento, mas o presente trabalho não pretende estender-se muito, mas apenas servir de breve introdução.
Encerra-se esta exposição citando um trecho do livro Dom Quixote, de Miguel de Cervantes:“A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que aos homens deram os céus. A ela, não se podem igualar os tesouros que encerra a terra e o mar encobre; pela liberdade, assim como pela honra, pode-se e deve-se aventurar a vida. E, pelo contrario, o cativeiro é o maior mal que pode advir aos homens (..) Não existe na terra, conforme o meu parecer, contentamento que se iguale a alcançar a liberdade perdida.”
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CERVANTES, M. – Dom Quixote: o cavaleiro da triste figura. Adaptação em português de José Angeli, 18 ª edição. São Paulo: Editora Scipione, s.d.
GHERTMAN, A. – A teorização no acompanhamento terapêutico: impasse ou ruptura? (1997). In: EQUIPE DE ATS DE A CASA (org.). Crise e cidade: acompanhamento terapêutico. São Paulo: Educ, p.233-240.
HERMANN, M.C. – Psiquiatria e psicopatologia: Acompanhamento Terapêutico. (2001) In: Revista Insight N º 116, São Paulo, Pag. 24 à 29
LEI Nº 10.216, DE 6 DE ABRIL DE 2001- Assinada por Fernando Henrique Cardoso em 6 de Abril de 2001 abordando o novo modelo assistencial em saúde mental.
MAUER, S.K. e RESNIZKY, S. – Acompanhantes terapêuticos e pacientes psicóticos. Campinas, SP: Editora Papirus, 1987.
SCHUBERT, R. – Tecendo o Imprevisível (2003) - apresentado na “I Jornada da Psicanálise Lacaniana” em 13 de Dezembro de 2003. Sede do Instituto da Psicanálise Lacaniana (IPLA) sob coordenação de Margareth Ferraz e Jorge Forbes, São Paulo.
Autoria: René Schubert (Psicanalista - Brasil).
Data: 2006
IC - Intercâmbio de Conhecimento