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educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

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EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

Logopedia, fonoaudiologia e terapia da fala: os professores como elementos chave para o despiste e intervenção em crianças com perturbações de linguagem

É sabido que a escola e os professores têm um papel crucial a desempenhar na adequada preparação das crianças, ajudando-as a enfrentar possíveis obstáculos por que vão passando, tais como perturbações específicas da linguagem, que por vezes condicionam o seu normal desenvolvimento e aprendizagem, tornando-os menos preparados para a constante mutabilidade que a sociedade comporta.

Apesar disso, tenho vindo a sentir (enquanto professora) que, de uma forma geral, a escola e os docentes não se assumem como elementos privilegiados no contacto e no reconhecimento das crianças e jovens com dificuldades específicas ao nível da aquisição e desenvolvimento da linguagem, descorando a contribuição que poderiam vir a dar no sentido de minorar os obstáculos que estes indivíduos especiais enfrentam no seu dia-a-dia.

É por isso essencial que se dê os primeiros passos de forma a tornar os professores mais activos e conscientes para o despiste e intervenção em crianças e jovens com perturbações específicas de linguagem. Neste sentido foi minha intenção elaborar uma pequena revisão bibliográfica acerca da situação actual vivida em Portugal, que poderá ser o ponto de partida para a reflexão crítica acerca da temática, uma vez que existe um reduzido número de estudos realizados em Portugal, comprovados pela restrita literatura existente, subjacente à área da terapia da fala, não tendo sido mesmo encontrados quaisquer registos cuja função primordial seja a articulação desta à prática pedagógica dos docentes e à sua necessidade de formação nesta área.  

1 - PERTURBAÇÕES ESPECÍFICAS DA LINGUAGEM EM CONTEXTO ESCOLAR

A escola actual não tem como objectivo primordial (como outrora acontecia) a simples transmissão de conhecimentos, tratando os alunos como “iguais”, independentemente das suas capacidades, motivações ou interesses. Hoje pretende-se que esta promova a autonomia, partindo do contexto e das necessidades do educando que, num processo dialéctico, vai aprendendo, conjuntamente, a fazer a sua leitura crítica do mundo (Puyuelo & Rondal, 2007).

A educação e, particularmente, a pedagogia crítica, deverá assim ser transformada, ao mesmo tempo, num projecto social, cultural e político, possibilitando a construção de um espaço público que englobe o conjunto concreto das “condições de aprendizagem que permitam às pessoas falar umas com as outras, intervir nos diálogos, partilhar as suas histórias e lutar juntas no interior de relações sociais que fortaleçam as possibilidades de uma cidadania activa” (Giroux, citado por Silva, 2002:23).

A maioria das crianças, cerca de 90%, responde a esses estímulos que a escola e os agentes educativos lhes proporcionam, apresentando boas capacidades cognitivas, de concentração e persistência (Binder & Michaelis, 2006). Já os restantes 10% parecem não estar à altura da situação, pois sentem nítidas “dificuldades imprevistas e incompreensíveis na leitura, na ortografia e na aritmética”, isto é, apresentam dificuldades precoces de aprendizagem, tratando-se estas de

“dificuldades parciais no aproveitamento, e não de um défice global nas aptidões mentais” (ibidem: 131).

De entre as várias dificuldades precoces de aprendizagem que uma criança pode apresentar, destacamos as que são causadas por distúrbios ou perturbações específicas da linguagem, isto é, cujas crianças apresentam “comportamentos linguísticos alterados, relacionados com disfunções no processamento da linguagem que se evidenciam em padrões de funcionamento diversificados relacionados com o contexto de desenvolvimento em que ocorrem” (Aram & Natim, citados por Morais, 2003).

Assim, a criança com perturbações específicas da linguagem, não manifesta uma lesão detectável através de exames clínicos adequados, estando as suas dificuldades de expressão associadas a disfunções várias ao nível do processamento da informação, geradas pelo lento desenvolvimento neurológico, cuja maturação termina quando a criança atinge os doze anos, começando por volta dos dois (Morais, 2003). Assim, o significativo progresso no campo da compreensão da linguagem e a ampliação e aperfeiçoamento dos usos e funções comunicativas que aí se operariam ficam comprometidos (Peña-Casanova, 2002).

Já depois desta fase (após os doze anos) torna-se “muito difícil melhorar significativamente algumas execuções linguísticas de uma criança com perturbações específicas da linguagem” (Morais, 2003: 117), e se até aí a criança não foi acompanhada de forma a receber uma intervenção especializada sobre a linguagem, é de esperar que as estruturas linguísticas permaneçam alteradas ao longo da sua vida. Rigolet  

(2000:190), apresenta mesmo três grandes categorias de consequências dos atrasos e dificuldades em linguagem:

- INTRA-ÁREA (“consequências na própria linguagem sobre os seus vários subníveis”);

- INTRA-INDIVÍDUO (“consequências em qualquer uma das áreas de desenvolvimento humano na pessoa em questão”);

- SOCIAL (“significando que abrange todas as relações interindividuais criadas entre o ser manifestando um atraso de linguagem” e dificuldade de comunicação com as “pessoas com quem se relaciona”)

Embora a problemática das crianças com perturbações específicas da linguagem, envolvendo o acto pedagógico formado pelo eixo comunicação-linguagem-aprendizagens (Puyuelo & Rondal, 2007), gere normalmente, como atrás se disse, dificuldades na consecução dos objectivos da escola, estas crianças são normalmente mais “esquecidas” pela comunidade educativa. Ao contrário de outras com comportamentos linguísticos semelhantes mas origens diferentes (como a afasia – resultado de uma lesão cerebral surgida em determinado momento da vida da criança, o autismo, a surdez, etc…), estas crianças não são, geralmente, segundo Morais (2003), diagnosticadas como crianças com Necessidades Educativas Especiais ou, no pior dos casos, são remetidas para uma categoria de deficiência que nada tem a ver com os seus problemas.

Esta realidade deve-se frequentemente à falta de informação de pais e professores, que se deparam com esta  

situação em turmas com alunos muito distintos, tendo poucos apoios e meios de intervenção.

2 - A ACÇÃO DOS PROFESSORES COM ALUNOS COM PERTURBAÇÕES ESPECÍFICAS DA LINGUAGEM

Todas as questões acima expressas justificam que se considere prioritário, no campo da educação, a discussão e consequente clarificação das actuais funções exigidas ao professor, como elemento chave para o despiste e intervenção em crianças com perturbações de linguagem.

Uma vez que o número de terapeutas da fala nas escolas regulares é muito escasso, pretende-se que o professor conheça os distúrbios da fala e da linguagem e saiba identificá-los, para que possa fazer o encaminhamento destas crianças para um profissional que realize uma terapêutica adequada perante as dificuldades e oriente os seus familiares, permitindo ainda acompanhar a criança enquanto esta está na escola, ajudando-a a ultrapassar eventuais dificuldades. Como nos referem Ribeiro & Baptista (2006:18) “Maus processos de avaliação, erros de interpretação e conceitos mal formados ou preconcebidos induzem, fatalmente, a um falso diagnóstico, isto é, as dificuldades escolares manifestadas pelos alunos são simplesmente interpretadas como indicadoras de uma baixa capacidade intelectual”.

A tarefa dos professores deve, assim, “ser semelhante, em parte, à realizada pelas mães nas primeiras etapas da aquisição da linguagem; ou seja, devem ser capazes de ampliar e reforçar gradualmente os aspectos de compreensão e expressão  

linguística, favorecendo um melhor domínio dessa ferramenta básica para a aprendizagem e a comunicação, que é a língua” (Peña-Casanova, 2002: 332), com a finalidade de contrariar as possíveis implicações nas alterações relacionais que o indivíduo estabelece com o ambiente social e educacional, ou alterações psicológicas, provocadas pelos distúrbios da comunicação.

Neste sentido, a avaliação das aprendizagens e das dificuldades escolares, é realizada, em geral, com três objectivos principais:

“1 – fazer o diagnóstico da dificuldade e aprendizagem, de seu tipo e grau de severidade;

2 – ressaltar as capacidades deficitárias, mas também as que estão preservadas (ou mesmo que se situam acima da média) e procurar conhecer sua relação no interior do funcionamentos eventualmente “desarmônicos”;

3 – estabelecer as bases de um programa de terapia, considerando tanto os déficits constatados quanto as perturbações que os embasam.” (Chevrie-Muller & Narbona, 2005: 183)

Se essa avaliação, intervenção ou encaminhamento for efectuado o mais cedo possível, e se o professor conseguir “encorajar e incentiva convenientemente a criança, esta poderá minimizar os seus problemas de aprendizagem, desenvolver as suas capacidades e ultrapassar sem traumas os decisivos anos da escola primária” (Binder & Michaelis, 2006: 123).

 

2.1. - Formação de professores

 

A formação de professores, quer inicial, quer contínua é, mediante o atrás exposto, a forma de aquisição de  

conhecimentos basilares para o correcto desempenho profissional no que concerne à intervenção com crianças com perturbações de linguagem, uma vez que esta é “muitas vez difícil de executar pelos professores e mesmo pelos pais” (Barnett, D. et al., 2007:158). Este facto deve-se ao reduzido número de professores com formação específica nas áreas das dificuldades específicas de aprendizagem, tornando-se “imprescindível que as universidades (…) contemplem esta problemática nos seus planos de estudo” (Ribeiro & Baptista, 2006: 131).

Formosinho (2001) refere mesmo que a formação dos professores não se mostra adequada a “uma escola básica para todos, a uma escola inclusiva” (Formosinho, 2001:47) assumindo que o processo de acentuação da componente intelectual do desempenho, feita em detrimento das componentes relacionais e morais, não conduz à preparação de profissionais “para uma escola comprometida comunitariamente e empenhada socialmente” (ibidem).

Nesta linha, vários autores afirmam que a formação de professores se define num campo de contradições, de desconfianças e resistências, sendo consensual o reconhecimento da sua importância, os indicadores da sua eficácia são, muitas vezes, apresentados como negativos. A insatisfação dos diversos actores é, frequentemente, salientada. A formação de professores é encarada como um factor que em muito condiciona a qualidade do despiste e acompanhamento de crianças com perturbações de linguagem.  

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Barnett, D. et al. (2007). Preschool Intervention Scripts: Lessons from 20 years of Research and Practice. The Journal of Speech – Language Pathology and Applied Behavior Analysis, Volume NO. 2, 158-181.

Binder, G. & Michaelis, R. (2006). Perturbações no Desenvolvimento e na Aprendizagem. Lisboa: Trilhos Editora.

Chevrie-Muler, C & Narbona, J. (2005). A linguagem da criança: aspectos normais e patológicos. Porto: Porto Editora.

Formosinho, J. O. (2001). A formação prática dos professores: da prática docente na instituição de formação à prática pedagógica nas escolas. Revista Portuguesa de Formação de Professores, 1 (1), 37-54.

Franco, M.; Reis, M. & Gil, T. (2003). Domínio da Comunicação, Linguagem e Fala – Perturbações Específicas de Linguagem em contexto escolar: Fundamentos. Lisboa: Ministério da Educação.

Morais, J. (2003). Despistar e intervir com crianças com perturbações específicas de linguagem nas escolas do ensino regular. Lisboa: Departamento da Educação Básica, Ministério da Educação.

Peña-Casanova, J. (2002). Manual de Fonoaudiologia. Porto Alegre: Artmed.  

Puyuelo, M. & Rondal, J. (2007). Manual de Desenvolvimento e alterações da linguagem na criança e no adulto. Porto Alegre: Artmed.

Ribeiro, A. & Baptista, A. (2006). Dislexia: Compreensão, Avaliação e Estratégias Educativas. Coimbra: Quarteto.

Rigolet, S. A. (2000). Os três P – Precoce, Progressivo, Positivo. Comunicação e Linguagem para uma Plena Expressão. Porto: Porto Editora.

Silva, A. (2002). Pedagogia crítica e contra-educação. Coimbra: Quarteto.

Catarina Mangas