Autismo - Intervenção
Desde 10 de Junho de 1994, quando em Salamanca foi elaborada a declaração com o nome desta localidade espanhola, o mundo acordou para uma realidade que há muito tentava encobrir. Esta data não só marcava uma reviravolta nos direitos das pessoas portadoras de deficiência, como desfazia a ideia pejorativa que outrora a sociedade tinha destes seres humanos. Muitas são as perturbações, síndromes ou deficiências que uma pessoa poderá apresentar, mas isso não os faz menos humanos do que aqueles que se dizem perfeitos. Afinal o conceito de perfeição é muito relativo e poderá uma pessoa dita perfeita possuir deficiências que até ela desconhece.
Primeiro como pessoa e depois na condição de professora, o autismo sempre representou uma perturbação difícil de entender, pelo que trabalhar com estas crianças assustava-me. E é com grande satisfação que hoje digo, que não há crianças mais dóceis e encantadoras que os autistas. Mas então vamos tentar perceber o que é isto do autismo. De facto, a perturbação do espectro do autismo é fascinante pois desafia qualquer ser humano a tentar compreender este mundo, que afinal pode não ser só deles, mas também nosso. Desde a complexidade da sua origem às incertezas que rodeiam todo o espectro, por mais livros, artigos e documentos que possamos ler nada nos esclarece mais acerca da problemática do que, o convívio diário com uma criança autista.
Desde Setembro de 2010 que me encontro numa unidade de ensino estruturado para alunos com perturbações do espectro do autismo. São sete crianças maravilhosas, lindas, meigas e todas diferentes na sua essência. A unidade encontra-se totalmente estruturada segundo o modelo TEACCH, que visa “ajudar a criança a crescer e a melhorar os seus desempenhos e capacidades adaptativas de modo a atingir o máximo de autonomia ao longo da vida (DGIDC). Toda a equipa educativa tem uma preocupação constante em adequar, ao máximo, as actividades à necessidade e nível de realização de cada criança. Todos os dias e seguindo as orientações da DGIDC desenvolvemos várias actividades, entre elas as actividades-chave. Estas seguem uma sequência e ajudam os alunos na orientação temporal, assim à Segunda temos sessão de cinema, com direito a pipocas, à Terça é dia de Sala Snoezelen, que relaxante (a iniciar brevemente) à Quarta é a Inclusão Inversa, tão bom ter os nossos amigos de outras turmas na unidade, à Quinta é dia de piscina e à Sexta para acabar em beleza é dia de culinária (hum, delicioso). No nosso dia-a-dia, não podíamos esquecer o papel essencial da família. Assim, esforçamo-nos por garantir permanente articulação escola-família, para que o trabalho desenvolvido na unidade possa ter continuidade em casa, pois só assim esta transição será benéfica para o aluno, uma vez que usufrui de um ambiente estruturado, nos dois contextos.
Muito mais poderia partilhar sobre o trabalho extraordinário que é desenvolvido com estes alunos dia após dia, mas é uma experiência demasiado gratificante para que a possa traduzir em palavras, porque é algo que se sente. O mérito não é nosso, que estamos ali para cumprir com o nosso dever, o mérito é deles que apesar de todas as limitações que o espectro lhes impôs desde a nascença, lutam todos os dias, muitas vezes sem saber como, pela compreensão de uma sociedade desajustada, uma sociedade que também eles, imersos no seu próprio mundo, dificilmente conseguirão compreender.
Encontrei algures na internet este poema escrito por uma mãe de um menino autista, pelo que resolvi partilhar.
Ama-me,
Por favor
Como eu sou…
Ama-me
Como tu
Gostarias que eu fosse.
Quem me concebeu…
Não imaginou
Que seria assim tão duro…
Entender que vim autista.
Mas ama-me
Fala-me desse amor
Mesmo que eu não pareça entender
Mesmo que eu fuja e me refugie
Busca-me não deixes eu me perder…
Ama-me…
Como se visses em mim
A imagem e semelhança de ti
No espelho das águas…
Fátima Almeida – Professora de Educação Especial