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educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

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EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

EQUOTERAPIA E PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: A POSSIBILIDADE DE INTEGRAÇÃO SOCIAL EM UM CENTRO DE EQUOTERAPIA.

 

INTRODUÇÃO:

 

Meu interesse pela Equoterapia se dá devido a minha proximidade com cavalos; desde os seis anos de idade estou envolvida no meio hípico através de minha formação como amazona de hipismo clássico. Ingressei na Faculdade de Psicologia da PUCRS no ano de 1998. Durante o ano de 2001, realizei estágio em Equoterapia e em Dezembro concluí o Curso Básico de Equoterapia ministrado pela ANDE-Brasil. Conviver com os praticantes de Equoterapia e suas famílias atentou-me para a necessidade de obter informações sobre a realidade dos portadores de necessidades especiais (PNE), sobre pessoas com doença mental e como deve atuar o psicólogo neste contexto.

 

Entende-se como praticante "a pessoa portadora de deficiência e/ou com necessidades especiais quando em atividades equoterápicas. Nesta atividade, o sujeito do processo participa de sua reabilitação, na medida em que interage com o cavalo" (Fundamentos Doutrinários da Equoterapia no Brasil, cap.2, in ANDE 2001).

 

 

"O deficiente mental não é inferior aos outros. Os outros não são mais do que o deficiente. Não se comparam seres humanos. Cada um é uma realidade única, pessoal com toda a sua história a ser lida, entendida e respeitada" (RAIÇA e BAPTISTA DE OLIVEIRA, 1990, P.19 apud SANTOS, 1997, P.138).

 

 

OBJETIVOS:

 

Este trabalho visa:

 

• Observar a Equoterapia como auxiliar na integração social dos praticantes bem como de seus familiares.

 

• Preparar o praticante a partir do manuseio com os cavalos para realização de atividades socialmente úteis e produtivas.

 

• Verificar o papel que a Psicologia desempenha em relação a esta realidade.

 

 

A PSICOLOGIA SOCIAL COMUNITÁRIA:

 

Surge, no Brasil, na década de 60 como forma de deselitizar a psicologia tendo como objetivo trabalhar com comunidades de baixa renda em busca de uma melhor qualidade de vida. O campo de trabalho, com o tempo, foi se ampliando para creches, postos de saúde, setor judiciário e sistemas de promoção de bem-estar social onde o psicólogo lança mão do desenvolvimento de instrumentais de análise e intervenção de acordo com as características

 

específicas desta clientela. Campos (1996), coloca também que a partir do levantamento de necessidades deste grupo específico há a possibilidade de se utilizar métodos e processos de conscientização que estimulem os sujeitos a construírem sua própria história, a terem consciência dos determinantes sócio-políticos de sua situação e a atuarem na busca de soluções para seus problemas.

 

A Psicologia Social Comunitária é um campo de trabalho interdisciplinar comprometido política e socialmente com o desenvolvimento de saberes e práticas que possibilitem o estabelecimento de relações igualitárias e emancipatórias através da dialógica. Tem como objeto de estudo a subjetividade, cuja construção se dá concretamente a partir das relações sociais cotidianas. A prática se estrutura fora do ambiente tradicional, em intervenções que facilitem transformações das experiências de dominação e desigualdade, a ponto de estabelecer relações conscientes, críticas e ativas. (Campos, 1996) Verificamos que os praticantes que limpam, encilham e guiam os cavalos sentem-se gratificados e felizes ao concluírem suas tarefas. Segundo Alícia Fernández, os comportamentos não instintivos, isto é, os que requerem uma aprendizagem (encilhar, guiar, etc.) são processos construtores de autoria "o essencial do aprender é que ao mesmo tempo se constrói o próprio sujeito" (Fernández, 2001, p.31 e 35).

 

Tal transformação implica uma abordagem metodológica que privilegie a atividade, a consciência e a ética da solidariedade , motivo pelo qual a observação e a pesquisa participantes são utilizadas para efetivar

 

o planejamento e a execução de programas de transformação da realidade vivida

(Campos, 1996, p. 11). Conclui-se assim, que a produção do conhecimento se dá a partir do diálogo entre o saber popular, o saber acadêmico e o contexto nos quais estes saberes se inscrevem. O conhecimento produzido dessa forma garante a coordenação de ações coletivas de enfrentamento do instituído na realidade, a partir da síntese das percepções do pesquisador e daquela comunidade específica.

 

 

 

A INTEGRAÇÃO SOCIAL NA EQUOTERAPIA:

 

 

"Os deficientes são pessoas antes de tudo...e têm o mesmo direito à auto-realização que quaisquer outras pessoas – no seu ritmo próprio, à sua maneira e por seus próprios meios. Somente eles podem superar a si mesmos" (BUSCAGLIA, 1993, P.29 apud SANTOS, 1997, P. 115).

 

 

A sociedade deve reconhecer o portador de necessidades especiais como um ser humano com os mesmos direitos e obrigações dos demais. Ele deve ser acolhido pela família e se sentir capaz de se preparar através da educação para o trabalho, para a interação e a adaptação psicológica à integração. Segundo Clemente Filho (1977) a integração pressupõe interação, reciprocidade de ação, troca de atividades; é preciso que o "deficiente" que recebe amparo e proteção dê em troca pelo menos esforço, senão trabalho e produção, socialmente úteis.

 

Isto, em nosso Centro de Equoterapia, podemos verificar através da realização e felicidade que os praticantes expressam ao se sentirem úteis e "normais" trabalhando no manuseio dos cavalos como qualquer outra pessoa. Neste espaço, eles desempenham o papel de equipe de apoio (auxiliar-guia, auxiliar-lateral e tratador). Para haver uma integração devemos analisar todos os aspectos desta relação: o portador de necessidades especiais, sua família e comunidade. Se há o desejo do praticante e de sua família em realizar estas atividades nós fazemos um acordo quanto à carga horária, funções, etc. O praticante recebe informações e supervisão constante da equipe do local para um bom desempenho de sua função.

 

A partir da escolarização é que os vínculos com alguém fora da família começa a existir. Até então a criança se relacionava apenas com os cuidadores. A importâncias deste relacionamento entre infantes torna-se maior, fato que não se observa com os deficientes. Há uma diferença entre amigos e parceiros, este só junta para realizar atividades como a de brincar, àquele é que a criança escolhe para estar com ela para além da escola.

 

O deficiente normalmente têm parceiros, suas limitações o impedem de expandir a relação para além do ambiente escolar. Mas em alguns casos a amizade é possível, a partir da prática no CEPA, percebemos que alguns praticantes ampliam este laço para além do espaço da Equoterapia. Alguns praticantes freqüentam a casa uns dos outros, encontram-se fora do CEPA, transformando uma parceria em amizade.

 

 

AS FAMÍLIAS ENVOLVIDAS NO PROCESSO:

 

 

"quando nasce uma criança deficiente, a sociedade modifica as suas condutas: ninguém envia cartões de parabéns, não há prendas; há choros, emotividades provincianas e culpabilidades hereditárias inconscientes que ‘dramatizam’ ainda mais a situação" (FONSECA, 1991, P.11 apud SANTOS, 1997, P. 145).

 

 

 

Desde o momento da concepção a história do bebê começa a ser traçada, esta "pré-história" nos mostra os desejos inconscientes do casal, tanto em relação a querer ter o filho ou não tê-lo. A sociedade espera uma imagem de jovens bonitos, sadios, inteligentes, enfim, alguém de quem se orgulhar. "De repente, aquele sonho infantil termina, repentinamente o casal se vê diante de uma realidade dolorosa demais: eles não geram um superbebê, mas uma criança da qual, a princípio, não vêem motivo para se orgulhar" (SANTOS, 1997, p. 147). De fato, a notícia é avassaladora, mesmo quando dada com cuidados, surgem questionamentos de culpa, dúvidas quanto ao futuro e por exemplo estas perguntas surgem aos pais: Aonde foi que eu errei? Porque tinha que acontecer comigo? O que será de mim? O que será de meu filho quando eu morrer?

 

Após a descoberta que o bebê não se desenvolve como as outras crianças e que ele necessitará de cuidado permanente pressupõe-se muitas mudanças na organização familiar como aspectos econômicos, sociais e pessoais (emocionais) a fim de adaptar-se a nova realidade. A família passa então pela dor do luto do filho desejado e assim deve elaborar esta perda para reconhecer o filho gerado. Sobre esta criança os pais têm o direito de serem informados quanto às reais condições e possibilidades futuras (BUSCAGLIA apud SOUZA e MADUREIRA in ANDE, 2001).

 

Santos (1997) coloca que as famílias com maior poder aquisitivo tendem a envergonhar-se mais do filho devido às expectativas de um bom desempenho. Assim elas investem mais na estimulação precoce e no acompanhamento médico. Eles também dão ênfase no desenvolvimento do senso de responsabilidade e às aquisições de conhecimento individual. Já as famílias economicamente mais pobres preocupam-se mais em poder nutrir este bebê e sustentá-lo com abrigo e vestimentas. Muitas vazes não têm condições de levar o filho ao posto de saúde para fazer um exame.

 

A integração entre as famílias de portadores de necessidades especiais pode se dar através dos locais freqüentados por estes como: fonoaudiólogo, fisioterapeuta, escolas especiais, oficinas protegidas, natação, equoterapia, etc. Nestes encontros há a troca de experiência que pode auxiliar a aliviar angústias pois podendo compartilhar as dificuldades, temores e dúvidas

 

sobre o familiar especial, assim algum conforto é obtido. Freire (1999), ressalta que a família reage de duas maneiras distintas, ou ela superprotege a criança, ou ela a desqualifica. Esta última, provoca uma redução das possibilidades e perspectivas de futuro que tendem a aumentar o grau de dependência. Desta forma o feedback negativo se cria fechando um círculo vicioso e patológico.

 

Na equoterapia, ao introduzir o cavalo este forma uma triangulação (praticante- cavalo-pais) que permite à família a visualizar o deficiente como separado dela e assim descobre-se capacidades não percebidas deste indivíduo. Redefinir as relações familiares auxilia na adequação dos comportamentos por parte do deficiente pois o círculo vicioso patológico pode ser interrompido. De acordo com Gavarini apud Freire (1999), a equoterapia favorece a integração social pois estimula o contato com outros praticantes, com seus familiares, com a equipe e com o animal. Desta forma aproxima o deficiente da sociedade a qual ele faz parte.

 

O espaço da Equoterapia é visto pelas famílias como um local que vai além de uma terapia para seus filhos, é uma possibilidade de conviver junto à natureza que facilita as relações interpessoais. Geralmente as mães e acompanhantes terapêuticos são as pessoas que permanecem como praticante durante suas atividades semanais. No CEPA há atividade aos Sábados pela manhã, então percebemos uma maior participação do pai nas atividades.

 

 

CONCLUSÃO:

 

São diversas as dificuldades enfrentadas pelos PNE, deficientes e/ou doentes mentais e seus familiares de se relacionarem socialmente. Além das barreiras físicas (rampas de acesso), as barreiras do preconceito dificultam sua integração em sociedade. A possibilidade desta integração ocorrer dentro de um Centro de Equoterapia reforça o papel de psicólogo frente a esta realidade.

 

Percebemos que nos finais de semana ocorre a participação dos demais integrantes da família (pais, irmãos, avós, primos e amigos da escola). Nesta ocasião, há interação entre familiares e equipe, criando a oportunidade de trocas de experiência, de saberes e de sentimentos ratificando ser este um espaço para a atuação da Psicologia Comunitária. O psicólogo é o profissional preparado para esclarecer aos outros profissionais da equipe o que se passa com a família e com o praticante que é atendido, permitindo a otimização da dinâmica interdisciplinar.

 

Para os praticantes a possibilidade de trabalhar com os cavalos os faz sentir úteis e mais responsáveis contribuindo assim para sua inserção na sociedade. Isto o integra socialmente e o faz reconhecer-se como indivíduo. Desta forma, a Psicologia Social Comunitária tem o seu papel de ampliar esta consciência com o auxílio da Equoterapia que é um espaço facilitador de relações sociais e interpessoais igualitárias.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

 

ANDE-BRASIL (Associação Nacional de Equoterapia). Polígrafo do 40° Curso Básico de Equoterapia. Coordenação de Ensino e Pesquisa e Extensão – COEPE. Brasília, Dez./2001.

 

CAMPOS, REGINA (Org). Psicologia Social Comunitária: Da Solidariedade à Autonomia. Petrópolis, RJ, 1996.

 

CLEMENTE FILHO, A. S., Participação da comunidade na integração do deficiente mental. departamento de documentação e divulgação. Brasília, 1977.

 

FERNÁNDEZ, Alícia. O Saber em Jogo: A Psicopedagogia Propiciando Autorias de Pensamento. Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

 

FREIRE, HELOISA B. Equoterapia teoria e prática: Uma experiência com crianças autistas. Campo Grande- MS: Vetor Editora Universidade Católica Dom Bosco, 1999.

 

SANTOS, ROSÂNGELA. Vivências e sentimentos dos familiares do deficiente mental: expectativa escolar e profissional. Dissertação de mestrado em educação. PUCRS. Porto Alegre, 1997.

 

Autoria: Renata de Souza Zamo - Instrutora de equitação do CEPA (Centro de Equoterapia Porto Alegre)