Mas de que inclusão falamos? Na verdade, pululam ideias desinformadas sobre a educação inclusiva, que quase a transformam no bicho papão das escolas e que amarram professores e alunos ao sofrimento do impensável nas salas de aula.
Nos últimos tempos, o tema da educação inclusiva tem sido alvo de intenso debate. Por um lado, do ponto de vista político, tem sido identificada como um dos princípios basilares da ação das escolas, enquanto direito de todos e de cada um, dos alunos a uma educação de qualidade. Por outro lado, nas escolas, a educação inclusiva tende a ser vista como um desafio exigente, que impõe mudanças significativas à organização e à ação dos profissionais. Este debate ganhou particular expressão com a publicação do Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, parecendo colocar em lados opostos da barricada decisores políticos, escolas e profissionais.
Mas falar de educação inclusiva é falar de construção, de construção de um caminho de e pela diversidade; de construção de um espaço onde cada aluno se sente parte. É, por isso, a escola inclusiva um espaço de viagem, que para existir precisa de todos e de cada um. Não há, por isso – não pode haver –, lados opostos ou sequer barricadas. Terá de haver, sim, o compromisso de todos com a inclusão.
Mas de que inclusão falamos? Na verdade, pululam ideias desinformadas sobre a educação inclusiva, que quase a transformam no bicho papão das escolas e que amarram professores e alunos ao sofrimento do impensável nas salas de aula. Numa espécie de jogo de “Quem é Quem?”, vejamos o que é e o que não é uma escola inclusiva.
A escola inclusiva é uma escola onde todos aprendem, onde ninguém fica para trás, onde todos pertencem e onde cada um se sente escola, onde se aprende em todo o lugar, onde “eu aprendo contigo, mas tu aprendes comigo”, e onde todos aprendem com todos, onde não há muros-muralhas, mas há limites e limitações, e onde se procuram soluções e desafios. A escola inclusiva, por outro lado, não é uma escola onde só alguns aprendem, onde se perdem alunos, onde nem todos pertencem e se sentem estranhos, onde é suposto aprender-se tudo na sala de aula, onde o aluno só aprende com o professor, onde a aprendizagem está emparedada em quadros e manuais escolares e onde o foco são as dificuldades e os problemas.
Ora, a lei da educação inclusiva não pode ser vista como uma lei fechada, estática, prescritiva. É, antes de mais, a garantia de direitos e de princípios. O direito a uma educação de qualidade, onde todos aprendem e participam. E para que todos aprendam não basta ir à escola. É preciso que a escola se organize para que isso aconteça. É este o desafio.
Falemos, então, de alguns desafios da educação inclusiva. Na investigação que temos desenvolvido sobre estas questões, entrevistamos diretores de escolas onde abordamos o papel das lideranças na educação inclusiva. Um dos aspetos identificados foi a prática orientada para as soluções, onde mais do que procurar a resposta certa na legislação ou esperar por orientações da tutela, as lideranças devem ser capazes de construir soluções para a sua escola, de forma colaborativa, participada e proactiva. Estes diretores, bastante alinhados com os princípios da educação inclusiva, salientaram a importância de envolver os alunos nas atividades da escola e nos processos de tomada de decisão, de ter professores comprometidos com a garantia de aprendizagem de todos os alunos e de incentivar a participação das famílias e da comunidade mais alargada.
A educação inclusiva não é, não pode ser, um processo solitário, rígido e definitivo. Pelo contrário, é um processo de participação e de compromisso com a melhoria das escolas como espaço de aprendizagem e crescimento. Por isso, também não podemos ignorar questões relacionadas com as condições e os recursos necessários. Num outro estudo realizado, cerca de 800 professores foram questionados sobre as dificuldades sentidas na concretização deste desígnio. A escassez de recursos humanos e materiais, a insuficiente formação dos profissionais e o desajustamento das condições organizacionais de suporte ao trabalho docente são dificuldades identificadas pelos referidos professores. Estas questões exigem reflexão e ação concertadas. Não podemos imaginar a possibilidade de concretização de uma escola para todos, quando do todos se parece excluir a voz dos professores.
Ignorar o que parecem ser já lugares comuns no discurso dos professores (por exemplo, envelhecimento e desmotivação da classe, falta de condições para o exercício da função, condições remuneratórias e de carreira) é ignorar o modo como os professores (pelo menos alguns, senão muitos) sentem e vivem escola. Dar saliência à voz dos alunos é fundamental, até porque têm sido estes os menos ouvidos. Mas isto não pode significar ignorar a voz dos professores. Trata-se, sobretudo, de por em comum as múltiplas vozes na construção de uma escola que é de todos e na qual todos se revejam como atores principais. Vale a pena perguntar se a escola terá que garantir todas as condições e recursos antes de ser inclusiva? Não creio!
A educação só o é se for inclusiva, ainda que não tenhamos as condições e os recursos que consideramos serem os ideais. Não se trata de ignorar as dificuldades, os problemas, as limitações. Conscientes da sua presença, trata-se de construir soluções para os desafios, traçar caminhos e fazer a viagem para uma escola cada vez mais inclusiva. Por este motivo, não penso que começamos a construção da educação inclusiva (suportada no D.L. n.º54/2018, 06 de julho) pelo telhado. Mas admito que tenhamos começado pelas paredes sem construir os alicerces. E quais os alicerces que precisamos? Dar voz a todos na comunhão de uma visão partilhada e comprometida pela nossa escola – e dispenso afirmar a “escola inclusiva” pela redundância, pois se é escola só pode ser inclusiva.
Marisa Carvalho
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