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educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando

LXV

A verdade é que depois disto pouco restou àquela escola... Aos poucos e lentamente as coisas foram-se deteriorando...

A falta de financiamento do Estado conduziu a instituição à ruína... Com o tempo... O dinheiro foi escasseando e os ordenados foram-se atrasando... Cada vez mais...

Dona Filó esmerou-se para suportar a situação... Vendendo alguns dos bens que possuía... Ainda assim... Não chegou e a banca rota aconteceu...

Dora foi a primeira a sair... E atrás dela... Mais algumas se seguiram... Afinal... Haviam filhos... Famílias e contas para pagar...

Júlia foi trabalhar para a segurança social... Luz foi para um hospital... Bela teve um problema respiratório que passou a ser crónico... Tendo de recorrer à ventilação para simplesmente... Levar oxigénio para os pulmões...

Preta chegou quase a um estado de miséria... Sem dinheiro sequer para comer... Beneficiando mais tarde... Da atenção de uma instituição que sinalizou a sua situação e a referenciou para um rendimento qualquer...

Irene foi para uma agência ligada ao ramo imobiliário... As restantes foram para lojas e algumas passaram a exercer funções como caixas de supermercado...

Elisa deixou de leccionar... Não se sabe ao certo o que faz... Diz a má língua que casou bem...

Dona Filó não aguentou e entrou numa depressão profunda... Ficou quase sem nada... Curiosamente... Não teve apoio de ninguém... Nem sequer da família...

Por entre comportamentos estranhos e comprimidos... Acabou por falecer... Morreu sozinha... O seu funeral foi custeado pela segurança social...

Leontina foi a grande surpresa... Ou não... Juntou-se com alguns pais e criou uma associação... Uma espécie de CAO... Centro de actividades ocupacionais... Destinada a apoiar jovens com deficiência que carecem de atendimento... Ou apoio... Quer fosse do ministério da educação ou segurança social... Uma resposta para jovens e adultos com deficiência mental... No sentido de desenvolver e manter a sua autonomia... Fomentar o equilíbrio emocional... Melhorar a qualidade de vida... Promover a sua integração na sociedade e alimentar a afectividade nas suas relações... 

Ainda passam por muitas dificuldades... Angariam dinheiro e recolhem apoios para fazer funcionar a associação... São poucos... Mas são fortes... Trabalham quase de graça... Porém fazem um serviço público... Que deveria... Mas não é... Assumido pelo estado...

Os utentes... É assim que lhes chamam... Beneficiam de treino da autonomia pessoal e social... Cognição... Actividades da vida diária... Inclusivas... Artísticas e de lazer... Terapia ocupacional... Fisioterapia e até... Musicoterapia... Enfim... Todas as possíveis e necessárias à manutenção de uma condição de vida aceitável e digna...

Estão lá o Bruninho.. O Teófilo e o João... O Ramos... A Sónia e a Bebé...

Foi num almoço de beneficência... Organizado com vista a angariar fundos e promover um dia diferente a estes jovens.. Que hoje são adultos... Contudo... Diferentes e excepcionais...

Meninos doces que se extraviaram sem querer... Por erros crassos na sua concepção... Durante o parto... Após... Ou até geneticamente... Prejudicados pela consanguinidade bruta... De parentesco disforme... Que agoniza e disforma... Quem quer e não quer... Quem julga ser e não é... Em mutação ou translocação... Ainda que... Se eduque ou reeduque... Domesticando... Ensinando e treinando... Almas e corpos de seres... Quentes e frios... Secos e molhados... Entediados e translúcidos... Na loucura de quem sabe ao que vem... Na presença de quem desconhece e na ignorância de quem os olha e ignora... Fingindo não ver...

Nesse almoço... Pedro apareceu sem combinar... Os seus antigos alunos deliraram com a sua presença... E todos o conheceram... Ainda que mais velhos... Pelo passar dos anos... E mais lerdos... Pela falta de estimulo e regressão natural...

Único... Foi a troca de olhares entre o professor e Sónia... Um cruzamento de emoções... Num misto de saudade e amor... Como se o tempo não tivesse passado... Como se os dias de hoje... Não existissem e apenas fossem os de ontem... Num mar de tempo... Que não se resume somente a horas e minutos... Acções e atitudes... Momentos ou assombros... Despistes e ilusões...

Sónia correu para os seus braços e gritou:

- Popêeeeeeeeeeeeeee!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!...............................

Pedro continua a dar aulas... Com menos a alma... Mais com o corpo...

 

Dedicado a todos os que se cruzaram... Cruzam e cruzarão comigo...

Assim como... A todos aqueles que nasceram diferentes... Isto é... TODOS!

 

António Pedro Santos

2015

A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando

LXIV

Finalmente... O grande dia chegou...

Pela primeira vez... Aqueles alunos armavam tendas e iam passar uma noite fora...  Longe do conforto da casa e da família... Ainda que... Este aconchego... Fosse discutível...

Tendas... Ou melhor... Dois enormes toldos atados às árvores...

Durante muito tempo... Pedro teve a preocupação de explicar o conceito... E não foi nada fácil... Desde a proposta do projecto... Preparação... Até à actividade propriamente dita...

Enfim... Não foi nada fácil... Levar pais e colegas a dizer sim... Conquistar os alunos... Falar-lhes daquela realidade e convencê-los a aderir...

Para variar... Alguns dos funcionários da escola... Criaram barreiras e demonstraram até... Algum despeito... Todavia... Pedro deu-lhes a volta...

Sentiu sempre o apoio de dona Filó... Que lhe transmitiu alento e força... Assim como... Dos restantes... Ou seja... Os do costume...

A verdade é que... Desde que havia chegado ao colégio... Habituara as suas colegas a uma forma de trabalho diferente... Mais dinâmica... Partilhada e cooperada...

Para o professor... Não haviam impossíveis... Isto é... Acreditava ser possível superar obstáculos... Tabus e dificuldades...

Na sua forma peculiar de laborar... E até de ver o mundo... Era um privilégio trabalhar com aquele tipo de população... Tão débil e ignorada... Que tanto precisava e ao mesmo tempo... Tudo lhe dava...

Era imperioso coadjuvar e intervir em equipa... Confiar na mudança e nas capacidades de todos... Interferir na sociedade com razão... Presença e competência...

Luz conseguiu que a estadia fosse grátis... Dora e Irene conferiram estrutura ao desígnio... Com a realização de listas e recolha de materiais... Telma... Carla... Júlia e Martinha... Foram essenciais para angariar parceiros... Patrocinadores que ofereceram aos alunos géneros alimentícios... Roupas e mais coisas... Como sacos de cama e cobertores...

Bela e Preta... Trataram da preparação de alguns alimentos... Que posteriormente foram confeccionados no parque de campismo... Leontina fez o transporte... Em suma... Uns mais outros menos... Mas... Todos ajudaram...

Agora... E enquanto Pedro os avistava... Era gratificante e emocionante...  Ver os seus rostos coloridos... Repletos de olhares descontraídos e sorrisos rasgados... Imensos de autonomia... Desenvoltos ao nível da linguagem e da comunicação... Num contexto diferente e estranho... Onde a camaradagem e a cooperação nas tarefas eram necessárias... Afinal... Dormia-se no chão... Com menos conforto que o habitual... O balneário era comum... A comida era partilhada e as tarefas também...

Aqueles jovens... Jamais esqueceriam aquele acampamento... E os adultos também...  Dali... Sairiam mais enérgicos... Seguros e confiantes... Mais próximos e iguais...

Tranquilamente... O professor aprecia aquele panorama e sorri... Com prazer... Satisfeito pelo momento e pela experiência que lhes conseguiu proporcionar...

Não fossem estes... Alunos com necessidades especiais... Maiores que os demais... Expostos numa panóplia de enigmas... Dificuldades e limitações... Desarranjos emocionais... Distúrbios... Mistérios e transtornos... Síndromes e problemáticas...

Por causa disto... Sorri de novo...

Ao seu lado... Deu conta de Ramos... Que permanecia imóvel e na ponta dos pés... Medindo-se com Pedro... Na sua postura básica... Isto é... Calças puxadas até ao umbigo... Braços cruzados... Elevando os óculos no nariz com o simples movimentar dos lábios...

- Parecem maluquinhos! – Exteriorizou... De uma forma nasalada... Batendo com o dedo na testa...

O professor olhou de novo em redor e procurou fotografar o momento... Para mais tarde recordar...

Carlos jogava às cartas com Luís... Roberto e Patrícia... Por perto estavam Cláudia e Rosa... Parecia estar a correr bem o jogo...

Adjacente... Carrapito ria de alguma brincadeira de Filipe... Que segurava o seu gigantesco lápis amarelo... Expondo um cara afável e ardilosa...

Por contágio... Cristina ria também... Dizendo para si própria:

- O que foi Cristina?... Rum... Rum... Ai! Ai! Cristina... Rum... Rum... – Repetia... Alterando-se e transformando por completo o seu estado emocional... Rindo muito alto...

Dora e Irene... Contavam anedotas... Quase juntas e ao mesmo tempo... Como se fossem gémeas... E eram quase... Fingindo condições... Com o encarecimento natural...

Virgílio assistia... Arreganhando os dentes e agenciando o pescoço... Tal como Samuel... Ronaldo e Sarita... Bem como Ana... Que chegou a mostrar os dentes... Ainda assim... Nunca chegou a falar... Não que Pedro ouvisse...

Júlia e Carla... Riam da exibição das colegas... Angela e Maura igualmente... E mais... Muitos mais... Como... Raquel e Fábio... Sempre agarrados e encantados...

Pedro sentiu alguma nostalgia que lhe apertou o estômago... Afinal... Sabia que se ia embora... Num futuro bastante próximo... E... Teria de os abandonar e deixar à sorte...

Para além do professor procurar maior estabilidade profissional e assim... Usufruir das regalias do estado... Sabia.. Tal como todos os seus colegas... Que a aquela escola estava por um fio...

A saída da tal portaria... Estava a matar o colégio aos poucos... Enfim... Subsídios atrasados... Dificuldades financeiras crescentes... Salários que não apareciam... E... Uma situação que se tornava insustentável e impossível para todos...

À sua frente... João jogava raquetes com Bruninho... Ou melhor... Tentavam... Religiosamente... João servia a bola... Contudo... O colega permanecia imóvel... Com calma... João apanhava a bola e servia de novo... De vez em quando dizia de voz trémula:

- Então... Bruninho?... Não vês a bola?...

Frustrado... Baixava a cabeça... Rodando os olhos para cima... Como um animal clamando por clemência...

- Não faz mal! – Dizia João... Deslocando-se para a bola... Apanhando-a do chão e servindo de novo...

Ramos agitava negativamente a cabeça e girava de novo o dedo na testa...

Teófilo tentava ler um livro... Ao seu lado... Ilda conferenciava com apetite e ânimo... Num monólogo que este não dava sequer importância... Provavelmente estava como sempre... Fora deste mundo... Simplesmente e somente no seu...

Por outro lado... Ilda continuava... Sem se importar... Divagando na conversação... Desenvolvendo questões e cedendo as próprias soluções... Rindo com jovialidade e gáudio...

- Parecem maluquinhos! – Constatava Ramos... Enquanto os observava... - Fugiram do hospício!...

O professor sorriu e nesse instante... Sente um beijo na mão... Olhou para baixo e encontrou Bebé... Sorrindo... De olhos pequenos e amendoados.. Inclinando a cabeça e acarinhando-o com as mãos... Acompanhada de Pedro... O boneco... Descabelado do uso... Descalço e quase nu... Gasto pela passagem do tempo que correra tão depressa...

- Pra ti! – Disse sussurrando... Estendendo-lhe o boneco...

O seu peito incendiou-se e uma lágrima escorreu pelo seu rosto... Pedro sentiu-se decomposto e a sua mente explodiu de emoção...

Agachou-se para a abraçar... Quem sabe se pelo gesto... Ora... Pelo gosto que tinha de trabalhar com aqueles alunos... Ou talvez... Pela saudade que já sentia... Do dia em que já lá não estaria... Para os acarinhar... Apoiar e ensinar...

Do dia em que ficariam entregues a si mesmos... Aos desígnios das gentes... À sorte de um país à beira mar plantado... Que os exclui e intimida... Na natureza que têm da essência que os separa... Transporta e carrega... A braços com a vida... Com a morte e com a...

Pedro susteve a respiração e abraçou Bebé com força... Para segurar a vontade de chorar...

Enquanto isso... Ramos repetia descontraídamente:

- Loucura!... Loucura!... Loucura!...

António Pedro Santos

(Continua)...

A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando

LXIII

No terraço da sua casa... O pôr do sol... Imenso e nostálgico...

Bem na sua frente... A fleuma de um país... Indiferente... Imoderado e passivo... De contornos sem respeito... Responsabilidade e seriedade... Sem esperança ou crença... Um resquício de pouca sorte...

Os vultos do passado... Circulam e rodopiam na sua mente... No ambiente de um contexto defeituoso e estrangulado... Nos braços da experimentação e da existência...

Onde miraculosamente... Regressam as imagens da sua infância... Família e percurso... A saudade e a paixão... Revoltam-lhe o corpo... Que atentado... Se castiga sempre que pode... A bem de si mesmo...

Pedro encerra os olhos e deixa-se ir... Destino e fado... Apanhando imagens e momentos... Onde observa e ao mesmo tempo... Se tenta encontrar...

Percorre todas elas como um peregrino... Aprendendo a sua vida... A braços com a loucura...

De comunicação anacrónica... Sónia articulava silabas disformes e exalava ruídos de alegria ou de amargura... Acolitados pelo tal estalar da língua no céu-da-boca... Esmurrando as mãos no peito... Para mostrar posse... Domínio e poder... Em relação ao professor... Intimando-o para si... Com exclusividade...

Olhar vago e distante... Clamando por benignidade e condescendência... Os clones permaneciam quase imóveis no mesmo sítio... Oscilando-se quando estimulados... Provocados ou abordados...

Vitimas de atrofia e espasticidade... Corpos quase mudos e estacionados... Enunciavam ecos anormais… Para... Quem sabe tentar... Infrutiferamente... Falar...

Na brancura de Tatiana... Descolorada pelo escuro da sua vida... Apagada... Nublada... Opaca... Destinada a ficar... Permanecer e depender... Medicada quase sempre... Alcoólatra... Embriagada e estonteada pela sua condição... Arrastada... Penosa e desequilibrada... Perdendo-se no ser e no andar... Tremelicando e tropeçando... Sussurrava a sua existência...

Andreia gritava ao mundo a sua loucura... Bramindo a dois tempos... A profundidade da sua limitação... Rondando os outros... Sempre mais lenta e atrás... De olhar disperso e sem direcção... Cumpria o desígnio de um ser... Que apenas nasce e sofre...

Dureza do corpo e do coração... Falta de sorte e de energia... Coxeando... Desacreditada de um mundo que muito pouco lhe diz... Hirta e áspera... Sem tempo... Espaço ou direcção... Apenas vivendo e dependendo...

Hélio... Cor castanha clara... Herdeira do colonialismo... Epiléptico... Expressão firme e carregada... Franzino... Débil e delicado... No seu constante bater das palmas... Ou de pulsos... Alheamento do exterior... Medo... Pavor e horror... Sem palavras... Apenas gemidos demolidos... Numa inactividade dilatada e em um desterro incessante...

Corpulento e maior do que os outros... Zé ficava sempre à parte... Todavia... Já fazia muito mais... Participando... Ainda que... À defesa... Resguardado e protegido... Dos outros... Do mundo e de si próprio...

Quase nunca olhava as pessoas de frente e continuava beijá-las docemente na testa... Divertia-se a trautear canções imperceptíveis aos ouvidos dos outros... Ditos e chamados de normais... Como se a normalidade fosse coisa que se visse...

Carregando a vida às costas... Mesmo que não o fizesse... Num pranto degolado e tartamudeado... Pedro respira e acorda de novo... Mirando o sol que se esconde... Para lá de todos... Sejam.. Bebé e Cristina... Amigas e cúmplices... Vítimas de um embargo social... Causado pela sua própria conjuntura... Embaraço motivado por tudo o que têm...

Já Sarita... Obesa mórbida... Aspecto ameninado de atitude imaculada... Andamento corpulento e dificultoso... Escabrosidade... Lição de vida... Líder nata... Amiga do seu amigo...

Como Maura... Ou Raquel... Uma tímida... Outra desbocada... Ambas de aspecto envelhecido... Dolorido e magoado... Decadência esbranquiçada de dois seres ainda meninos... Contudo carrancudos e adultos de apresentação...

No mutismo selectivo de Ana... Que escondia recalques e tormentas de casa... Sociais e virtuais... Situações diárias bem à vista de todos... Escondidas e abafadas por uma sociedade aglutinadora e vil...

Na imaginação fértil das irmãs... Angela e Ilda... Uma infantil... Outra demasiado sexuada... Separadas de feitio e pela família... Juntas pelo docente... Por insistência e querer... Enfim... Agora melhores... Pelo menos mais próximas... Presentes e tolerantes...

Quem sabe... Se um dia não serão amigas... Ou... Verdadeiras irmãs... Unidas e cúmplices...

Pedro inspira o ar da brisa e parece sossegar... Ainda assim... Continua e avança...

Por seu lado... Miguel... Diferente e muito pouco auto suficiente... Caminhando amparado nas paredes... Desbravando caminhos... Nua sala que o aprisiona... Ou... Resguarda de um mundo estranho.. Perigoso e vil... Contemplando a mão... Com uma fidelidade única... Com desejo... Objectivo e determinação... Declinando... Afrouxando e caindo... Completamente inebriado com a sua mão... Siderado... Concentrando o olhar na mesma... Como que magnetizado... Rindo perdido... Ou melhor... Sorrindo... Quase sem som...

João parecia um senhor... Curiosamente... Os alunos mais velhos... Apresentavam esta característica... Todavia... Permaneciam infantis... Ingénuos e primaveris... Ainda que... Nos corpos demasiado desenvoltos e seniores...

- Professorinho... – Dizia constantemente... Clamando pela atenção de Pedro... Falando palavras tremidas e balbuciantes... Sobre futebol essencialmente... Através de frases incompletas... Expunha para quem quisesse beneficiar da sua companhia... As suas dificuldades de linguagem e de comunicação... Falhada e interrupta... De entendimento... Juízo e de crédito... Sempre em busca do seu lugar no mundo difícil... Arredio e voraz...

A sua protecção a Bruninho... Era amizade pura... Zelo e estima... Sempre de fato de treino... Feito por encomenda... Pois... Pesava cento e tal quilos... Pior que ele só Sarita...

Quase mudo de palavras... Tímido e com pouca iniciativa... Contava com o apoio dos amigos para se chegar à frente nas actividades... Incentivando-o e motivando-o... Constantemente...

Nessas alturas... Em que os amigos o estimulavam... Ele sorria e fazia-se escutar... Dizendo:

- Sou o maior!

Houve um dia... Em que realizaram uma espécie de corta mato... Bruno chegou em último... Pois era demasiado obeso e cansava-se facilmente...

Ao verificar o seu desalento... O professor e Irene... Esticaram de novo a fita que servia de meta... Para que este a cortasse... Ao transpô-la... Ergueu os braços ao ar e deu o máximo... Perante uma ovação de todos os seus colegas... O seu sorriso e a sua alegria não tiveram tamanho ou explicação...

Mário... Era outro dos seus amigos.. A par de Luís... Um dos mais respeitados por todos... Alunos e adultos... Ainda assim... De aspecto atrasado aos olhos daqueles que habitualmente se intitulam de normais...

Ronaldo também o acompanhava muito... Adorava música da pesada... Nunca se chateava e jamais ficava triste... Tinha uma forma moderna de falar... Talvez devido à jovialidade dos pais e ao contacto com o seu irmão mais velho... Repetindo constantemente:

- Ya professor... Tás a ver... É assim meu!...

Por vezes... Agarrava um palito ou uma palhinha dos pacotes de leite... Encerrava os olhos e fumava... Travando o fumo do cigarro para dentro de si... Com estilo e muita classe... Conseguindo desenvolver jeitos e tiques de quem o fazia na realidade...

Cláudia... Patrícia e Rosa... Olhavam os rapazes de uma forma mais madura...  Vítimas da miséria moral das gentes... Que envenenadas pelo estado de ser de todos... As fazia sobreviver... Deteriorando-as e acondicionando-as a um destino sem fuga possível... Envelhecendo e esmagando a sua juventude... Pelo seu ambiente e condição... A braços com o ódio... Ignorância e loucura... Onde... A humanidade se esquecia e perdia...

Tímidas... Deficientes... Complicadas e sem qualquer estima que fosse... De si próprias...

Com um fraco e quase inexistente auto conceito... Deixavam-se ficar e estar... Ao sabor e à vontade dos outros... Escondendo na sombra... Os seu segredos mais sórdidos e proibidos...

O casal de pombinhos... Fábio e Raquel... Imensos... Unos... Puros e naturais... Dando uma lição constante a todos os que desprezam ou não acreditam no amor... Vivendo ao máximo a sua paixão... Como se fosse a última... Na eminência de um fim... Que parecia avizinhar-se e que... Acabou por chegar...

Algumas gaivotas circundaram o terraço... Talvez viesse por aí tempestade... O professor absorvia toda a maresia... Ou lá o que fosse... A verdade é que cheirava bem... Isto é... Uma naturalidade magnânima e ao mesmo tempo maternal...

Pedro sorriu de prazer e aproximou-se... Do mundo novo e distante de Teófilo... Fechado e privado... Seguro e constante... Prisioneiro de rotas e rotinas... Bem estruturadas e definidas... A bem do humanidade e de si mesmo...

Discurso robótico... Articulado... Enfático e solene... Confundindo e emaranhando-se...

Problemático e repleto de enigmas... Exclamando de uma forma repetida:

- É a minha cabeça! Não tenho a culpa!...

Curioso... Estudava palavras com prazer... Desbravando dicionários e enciclopédias...

Com a ânsia de saber e de aprender... Formulava questões quase diariamente ao professor... Acerca de dúvidas e sobretudo... Significado de palavras...

Às vezes... Era tão cedo... Que Pedro ainda nem estava bem acordado e tinha dificuldade em responder... Houve um dia em que surpreendeu o docente com mais uma:

- Professor... O que é apetite sexual?

Enfim... Nem vale a pena falar... Da artimanha e das voltas que este teve de dar... Para lhe conseguir dar uma resposta aceitável... Compreensível e perceptível... Creio que não conseguiu...

Fechado em si próprio... Apesar da sua idade... Nem sempre correspondendo aos factores convencionais... Afastado... Ostentava abnegação para com os outros...

Problemas de comportamento... Atitude e conduta... Eram disso exemplo... Virgílio e Roberto... O primeiro muito melhor que no início... O segundo... Assim assim...

A mistura dos tiques e das expressões faciais... Como palavrões e as palavras desbocadas... Arranhar de dentes... Enrugar da face... Esclerótica e menineira... Piscando sempre um dos olhos...

Em contraste com... Obscenidades... Voz alta... Amargura de uma criação motivada pelo álcool dos outros…

Salvador... Bento... Ruben e Rafael... Variadas coisas...  Desavindas... Diversas e inconstantes limitações... Incompreensíveis e pouco presentes... No mundo dos outros... Que dispersos e ocupados... Desconheciam estas problemáticas... Pouco visáveis e escondidas... Da sociedade e dos seus integrantes...

Num mundo em que tudo segue... Cresce... Desenvolve-se e reproduz-se... Bem distante do que é normal e que não é abrupto...

Vida disforme e absorta... Prisioneira cativa... Reclusa vencida... À margem do planeta... Numa sala colorida... Estimulada... Mas... Vedada... Limitada e segregada... Vivendo para resistir... Subsistir e perdurar... Sem ideias... Capacidade de intervenção... Ou... Sequer vontade... Âmbito ou finalidade...

Carlos... Imensamente gordo... Transpirava uma batelada de sacrifício por toda a sua carne… Pesquisando e auscultando a conversa do professor... Com consideração e cuidado...

Pedro recordava-se agora dos almoços... Enquanto se alimentavam... Examinava os seus modos e espiava as conversas... Para os conhecer melhor... Sempre para se conhecer a si...

Considerações e aspirações fortes... Ou vernais... Conduta estereotipada e severa... Evolução significativa e positiva... Após tanto tempo e trabalho... Empenho e dedicação... Do professor e deles... Sobretudo deles... Enfim... Era um gosto vê-los comer... A postura do seu ser... Elevado e composto... Diferente e melhorado... Usando os talheres e o guardanapo... Com carácter e elegância...

O professor abre os olhos e verifica... A controvérsia social moderna... Que exclui e afasta os seus próprios filhos... Escondendo-os dos outros por serem diferentes... Em abrigos... Hospícios e manicómios... Como se não existissem... Alegando a falta de preparo e de condições... Numa história ainda pior... E que pouco evoluiu…

Instituições de acolhimento de outro enredo... Teia indivisível do aforismo social... Da capacidade... Das doenças e dos doentes mentais... De ontem e de agora... Camisas-de-força... Prisões e cárcere... Acolchoadas e independentes... Na solidão incompreensível... Onde se limpa o descontrole e a alienação…

Feridas vertiginosas... Torturas ao raciocínio e no físico... De um ser afável com direitos à luz da constituição... De ontem e de hoje... No século dezanove... Na república... No estado novo ou mesmo depois do vinte e cinco de Abril... Tudo evoluiu... Mas pouco mudou para esta gente...

Pedro observa a vista e divaga... O cigarro consome-se pelo vento e pelo esquecimento...

António Pedro Santos

(Continua)... 

A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando

LXII

O ar estava quente... Para lá da velha cidade... Dengosa e pardacenta... Um misto de cor parecia incendiar o dia... Com ardor e essência...

A passarada... Tomava conta dos céus... Com arrojo e audácia... Para lá dos demais... Que tristes e conformados... Circulavam de cá para lá... E de lá para cá...

Os olhares trocavam-se... Sem contudo se ver... Os corpos frios... Banalizavam a circunstância de simplesmente existir... Durar e permanecer... Com pouco alento e grandeza...

Os saltos e as corridas... Perdiam-se nas palavras vãs... Saídas das bocas... Acabadas e indiferentes...

Lágrimas e esteria... Ecoavam e chamavam de um modo peculiar...

Os interesses e as incoerências... Acasalavam como estranhos... Afastados e ridículos...

Pedro olhava o rio... Que parecia sossegar... Escutando as conversas e inspirando o ar... Sentindo o tempo a tomar conta de si... Perguntava-se quando seria que este tinha fim...

Invasão de sentimento... Nojo pela qualidade do ar... Perdoando num momento... Deixando-se estar... Nas vezes em que jura que pensa... Ser maior que o mar... Contudo... A força do vento... Lembra-o de acordar... De sonhar...

Na força que se faz por estar... De pé ou a dançar... Com a graça das ondas... Que lhe tentam mostrar... O que olhar...

O professor encerrou os olhos e respirou fundo...

No ar... Uma travagem violenta fez-se notar...

Muita gente correu para ver o que se passara... Pedro também...

No chão de uma estrada suja e fria... Uma mulher agonizava... Aos olhos de todos e numa simples fracção de tempo do mundo...

- Alguém chame o 112! – Gritou uma voz...

Subitamente... Várias chamadas se realizaram e uma confusão pareceu instalar-se... O condutor do carro chorava desalmadamente...

Pedro abeirou-se da vítima e tentou apoiá-la... Perguntando:

- Está bem?... – Todavia... A senhora não respondeu... Parecia estar inconsciente e desacordada... A sua respiração aflita... Dilacerava pela opressão que comportava...

Inesperadamente... Pareceu ver naquele rosto ausente... Aquela senhora de idade que se aprontou em ajudá-lo... No dia em que chegara para se apresentar... Vindo de longe... Inseguro... Precário e avaro de esperança...

Alguém que há tempos lhe perguntara... Com voz doce... Meiga e atenciosa... Clarão de um rosto amarrotado pelo passar do tempo... Que naquela altura... O fez rememorar a sua avó quando o adormecia... Há muitos anos atrás... Um olhar afectuoso e preocupado... Como o dela... Que o tempo apagava aos poucos da sua memória... Cada vez mais pequena... Pelo passar de tanto tempo da sua morte...

Facilmente.... E sem qualquer pudor... Pedro colocou-lhe a mão por detrás do pescoço... Pois sentiu-a estrebuchar... Parecia inquieta e pesarosa...

Era agora ele que... Envolto no odor hediondo de estrada e automóvel... Calor... Afrontamento e drama... A amparava... Nos poucos segundos de vida que lhe restavam... Transportando-a para o conforto da sua cama que há muito deixara no seu quarto... Extinto e longínquo... Na sua infância remota e distante... Devorada pelos anos... Acelerados... Esquecidos e atrozes...

- Deixem passar! – Ordenou uma voz por trás de si... Enfim... Médicos e enfermeiros invadiram o local...

Acompanhou o seu adormecer infindável... Apreciando a sua aparência... Imbecilizada e disforme do acidente... Decadente pelos anos duros e efémeros...

A frescura aliviava-lhe a quentura que sentia... Amenidade dolorosa... De uma fragrância tenebrosa e capaz...

Já não era a senhora de idade que lhe passava um lenço húmido na testa... O cheiro a gasolina e sangue... Misturava-se com o de livro fechado que a mesma exalava...

Não era Pedro quem estava deitado no banco da paragem do autocarro... Era alguém anónimo que jazia... Na estrada conspurcada e algente...

Vagarosamente... Pedro retirou a mão por baixo do seu pescoço e meigamente olhou aquele rosto que repousava... Já sem vida... Naquela manhã... Igual a tantas outras...

Aquela senhora que o amparou pelo braço e o olhou nos olhos... Como que... Comprovando o seu estado de saúde plena... Fez com que o professor parasse por uns instantes... Siderado naquele olhar... Agradável... Diligente e concentrado... Uma raridade nos nossos dias e nas pessoas...

Uma ignóbil parte da vida... De um coração maior que o mundo... Que ali estava para auxiliar um semelhante... Com a ternura que se tem para com um amigo ou familiar...

Jamais esqueceria aquele olhar... De alma compassiva... De humanidade maior... Jamais esqueceria a forma como a viu partir... Sozinha e no meio de todos... 

Emocionado... Restava-lhe agora... Dar de novo ao rosto… Uma imagem segura…

Por uns momentos... E como sempre... Fixou-se na contiguidade arquitetónica... Divagando por instantes… Nos paradoxos da vida e da conjuntura temporal... Paradigmas bárbaros de uma sociedade feita à base de betão... Que aos poucos consume as consciências e os corpos amiudados das gentes que naquela cidade habitavam...

António Pedro Santos

(Continua)... 

A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando

LXI

Os alunos saíam para a rua contentes... Dobrando as paredes enfadonhas do velho colégio e enchendo a cidade acinzentada pelo tempo... Com um pouco mais de cor... Afinal era dia de passeio...

Uma vez mais... Seguiam rumo ao parque... Desta vez... Esperava-os um dia inteiro de desporto... Piquenique e muita brincadeira...

Organizados... Desciam a rua... Com estrutura e ânimo... Distribuindo-se na arquitectura fastidiosa da vida e contaminando-a com alento e energia...

- Bom dia! – Dizia repetidamente Ramos às pessoas que com ele se cruzavam... De forma insistente... Teimando em integrar-se... Impingindo-se aos demais transeuntes com educação e alegria...

Virgílio... Luís e Carlos... Seguiam o professor que liderava o grupo... Aliás... Como sempre... Cada vez mais adultos e responsáveis...

João acompanhava Sónia... Que fazia questão... De chamar a atenção de Pedro... Sempre absorvente e cativante...

Patrícia e Rosa auxiliavam os mais novos e limitados... Cada vez mais crescidas e profissionais... Desempenhando as suas funções com brio e com solidariedade... Camaradagem e cooperação...

Fábio e Raquel caminhavam agarrados... Eternamente apaixonados e unos... Filipe segurava o seu enorme lápis amarelo com uma mão e dava a outra a Cristina... Carrapito emparelhava com Bebé e com Pedro... O boneco... Cada vez mais velho e usado...

Martinha... Júlia e Carla... Dividiam-se pelo meio do grupo... Enquanto as restantes colegas... Marchavam mais atrás...

As regras instituídas com o tempo... Pareciam surtir efeito... Isto porque... Havia maior postura... Disciplina e até civilidade... Exemplo disso... Aconteceu quando o docente gritou:

- Atenção!...

- Todos para o passeio! – Apregoaram em coro... Alunos... Técnicos e auxiliares... Completando o aviso... Tantas vezes dito e redito...

Seguiu-se uma agigantada e colectiva gargalhada...

No grupo dos alunos multideficientes... As cadeiras seguiam e Rúben parecia mais tranquilo e em paz consigo... Desfrutando do ar daquela cidade... Com maior empatia e naturalidade...

Nesse momento... Pedro olhou a auxiliar da sala... Mais terna e atenta... Quem sabe... Se mais em paz consigo também...

Recordou-se de uma conversa que tivera com a educadora... Em que realçava as dificuldades e limitações do aluno... Ao contrário... O professor argumentou... Valorizando a juventude do miúdo e a sua persistência... Enfatizando... Que jamais baixaria os braços...

Ainda bem que não o fez... Ainda com os lentos e escassos progressos que conseguiu... Foram todos bons e importantes... Para ele e para os seus...

O docente considerava ser de extrema importância o esclarecimento... A partilha e a formação dos encarregados de educação... Professores... Técnicos e comunidade em geral...

Só assim... Haveria oportunidade de proporcionar às crianças e jovens com necessidades educativas especiais as condições e o estimulo adequado ao seu desenvolvimento global...

Já no parque... Os mais velhos jogavam futebol... Ou melhor... Uma espécie de...

O objectivo era semelhante... Enfim... Fazer com que a bola entrasse na baliza do adversário e ao mesmo tempo... Impedir que esta entrasse na sua... Contudo... E embora a bola fosse jogada com o pé... Por vezes permitia-se o uso da mão... Um empurrão ou até algo mais forte... Pedro chamou-lhe mistura total... Mais tarde... Totalmix...

Afinal... Nascera no ginásio... Devido às condições  físicas e sobretudo... Por causa dos conhecimentos dos alunos... Diminutos e demasiado elementares... Porém... Sempre que havia uma saída deste género... Tentava-se que o jogo se parecesse mais com o futebol... Respeitando-se... Ou procurando respeitar as regras... De um modo um pouco mais sério...

Curiosamente... E durante o jogo... Ramos corria aleatoriamente pelo campo... Apitando sempre que se apercebia de uma situação de maior gravidade... Ou... Quando simplesmente se lembrava...

Num outro lado... Alguns alunos dos mais novos... Brincavam ao jogo do lenço... Alguém empurrou Cristina que caiu...

Ao levantar-se... Trémula e com dificuldade... Olhou as suas calças brancas e ténis claros... Completamente imundos... Ficou sem voz... Coisa rara... Pois adorava repetir-se e até... Comunicar com a sua amiga imaginária...

Pedro aproximou-se e auxiliou-a... Perguntando-lhe... Se estava bem... Ou se lhe doía alguma coisa...

Cristina não disse uma palavra... Nem sequer se queixou... Todavia... A sua respiração alterou-se... Começou a tremer...

Um semblante triste invadiu-a... A si e ao momento... Consternada... A sua boca encerrou-se e a sua expressão mudou por completo... Desespero extremo... De amargura repleto...

Os seus olhos miúdos e amendoados... Transfiguraram-se... Numa angústia fora do comum... Particular e estranha... Especial e desconhecida...

De boca fechada... Encheu as bochechas de ar e chorou sem lágrimas... Numa agonia e pranto medonhos... Desfalecida e sem forças... Na mais pura aflição...

Pedro espantou-se e emocionou-se... Perante o seu ar frágil e desequilibrado... Na sua forma de ser para um mundo severo... Em que os seus próprios homólogos... A pareciam ignorar... Colocando-a à parte... Por... Já de si... Ser diferente... Afastada... Limitada e lenta...

O professor encostou-a a si e abraçou-a com força... Dizendo-lhe palavras com ternura...

Para que se acalmasse...

- Que foi Cristina? – Interrogou Carrapito... Apreensivo...

Nesse momento... O professor aliviou o abraço e convidou o aluno a aproximar-se... Dizendo:

- A Cristina magoou-se... Mas já está quase boa!

- Aleijaste? – Perguntou preocupado... Comendo as letras da palavra...

- Sim! – Respondeu com voz sofrida... Acentuando ainda mais o choro e abraçando Carrapito...

Os dois amigos... Ficaram encostados um ao outro... Num abraço imponderado... Em que a demência e as dificuldades se pautaram nos ruídos e nas posições dos corpos... Absortos e disformes... Sem postura ou posição... Desequilibrados e voláteis... Numa extravagância doente... Com pancadinhas doces e mutuas nas costas... Para lá da deficiência e limitação... Onde a amizade... O carinho e o afecto... A compaixão e a condolência... Cresciam e tapavam as mágoas... Dores e frustrações...

O professor olhou aquele quadro... Impotente e ao mesmo tempo fascinado... Com a magia do toque... Do abraço e da palavra... Humanidade plena... Amizade pura... Num rever de acções fartas de ânsia... Bem conhecido dos dois... Débeis... Frouxos... Inábeis e aselhas... Inaptos e incapazes... Fracos... Combalidos e decrépitos... Sentimento bafiento... Atrasado... Mofento e rançoso... Antiquado e obsoleto... Porém... Real e vigente nas suas vidas...

- Não faz mal Cristina! – Dizia Carrapito... Batendo-lhe nas costas... Atencioso e delicado... De voz hesitante... Comendo as letras de cada palavra... Sempre dorida... Pessoal e imensa de sofrimento... Como se fosse o seu... E era...

- Não faz mal Cristina! – Repetia esta... Para si própria – Rum... Rum... Não faz mal Cristina!...

António Pedro Santos

(Continua)... 

A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando

LX

Por aquela altura... Os olhares pesarosos de todos... Pareciam não ter melhoras...

Aos poucos... Pedro e talvez a maioria das suas colegas... Começaram a deixar de acreditar numa solução para o colégio...

O país e o mundo... Pareciam enveredar por um caminho diferente... Afinal.. Aquela escola... era só mais uma... Um pequeno cosmos... Obsoleto e ultrapassado... Onde os seus habitantes ou povoadores... Se estavam a extinguir... Aos poucos e lentamente...

Bela nunca mais disse palavrões desde o dia em que compreendeu o caminho da coisa... O seu olhar dizia tudo... Vazio e alheio...

Preta... Quase que nem se deixava ver... Escondendo-se na cozinha do refeitório... Já poucas vezes aparecendo...

Carla... Martinha e Júlia... Iam apreendendo lentamente... Que a situação estava difícil... Embora se esforçassem por inverter a situação... Pouco confiavam num desenlace positivo... Mais tarde... Pedro percebeu que estas já tentavam outros caminhos para exercer a sua profissão...

Elisa... Continuava como de costume... Falsa... Exibindo uma cara triste na presença de dona Filó... Ao contrário... Nas suas costas... Rasgava o ar com altas lições de moral...

Nessas alturas... O professor contemplava-a... Apreciando o seu grossura global... Pouco ética e clemente... Incompreensivelmente de fora... À margem de um país e de um mundo... Como se este... Não fosse um problema seu... Como se só existissem culpados e quem sabe... Alguém... Tivesse sempre a responsabilidade da luta e da manutenção... Nunca ela... Ou melhor... Jamais...

Completamente cheio e farto... Pedro perdera a paciência para a escutar... Respondendo-lhe incivilmente... Enfim... A verdade é que foi remédio santo... Pois... Na presença do professor... Acabou com este tipo de conversas...

Telma gaguejava e soluçava... Perdendo-se num pranto escondido... Sem contudo... Deixar de realizar as suas tarefas com o profissionalismo do costume...

Saudade não vertia lágrimas e talvez nem despejasse a sua mágoa... Guardando-a para si... Encarcerando medos... Preocupações e desgostos... Desejos e recalcamentos... Foi nessa altura que Pedro a conseguiu conhecer melhor... Carregada de resistências complexas... Numa introversão abrupta de quem vive completamente longe de si mesmo...

Dora e Irene começaram a andar mais afastadas uma da outra... Preocupadas com o futuro... Triste... Obscuro e pardacento...

Dona Filó passava a maior parte do tempo enfiada no escritório... De calculadora sempre ligada... Eternamente fechada... Organizando papeis e estipulando prioridades com Luz... Foi com esta que Pedro se cruzou... Perto da direcção e do ginásio... Aliás... Foi a última vez que a tentou beijar... Pois esta sacudiu-o... Sem sequer o olhar...

Magoado... Pedro entrou no ginásio... Refugiando-se... Fora de si... Incompreensível com tudo... Esmurrando a primeira parede que viu...

Encolheu-se com a dor e gritou por dentro... Agarrando-se à mão para abafar o sofrimento...

A porta abriu-se... Leontina aparecia para limpar o ginásio...

- Que tens? – Perguntou... Aproximando-se deste...

- Nada! – Exclamou o professor... Escondendo a mão junto ao peito...

- Deixa ver! – Pediu... Aproximando-se...

Leontina largou a vassoura e a pá... Agarrou na mão de Pedro e olhou-a com atenção... Os seus lábios carnudos... Contemplaram a mão do professor com amabilidade... Massajando-a com as suas mãos doces... Sorriu e olhou nos olhos de Pedro:

- Melhor?... – Questionou... Com sensualidade...

Pedro olhou-a na profundidade dos seus olhos e perdeu-se completamente... Esquecendo-se de tudo... Abraçou-a no momento em que também a beijou... Esborratando o seu batom que já invadia o resto dos dois rostos...

Leontina arfava e Pedro procurava-a por dentro da bata... Que lhe apertava por demais o corpo... Suado e escorregadio...

- Que estamos a fazer? – Sussurrou baixinho...

Mas o professor não lhe respondeu e arrastou-a para os colchões... Osculando-a e beijando-a desenfreadamente... Sem a deixar respirar...

Pelo caminho... Perdeu os chinelos e a bata...

Pedro deitou-a de costas no chão e arredou-lhe as cuecas... Entrou em si...  Leontina transfigurou-se... Mas ainda sussurrou baixinho:

- Temos de ser rápidos!... Pode aparecer alguém!...

Pedro descobriu-lhe  peito... Imenso... Doce e majestoso... Chupando-o e banhando-se no seu suor... Voluptuosamente cheiroso...

De pernas escancaradas e ao acaso... Agarrou o rabo do professor com força... Tanta... Que o marcou...

Quando Pedro se veio... Numa explosão de ânimo para dentro de Leontina... Demorada e até ao fim... Rumo ao limite... Quase morreu vagarosamente nas suas entranhas... Afogueadas e deleitosas... Alagadiças e aflitas...

No final... Beijaram-se profundamente... O seu cheiro... Olhar e quentura... Eram imensos... Uma apetitosa delícia que confundia e inebriava...

Nesse mesmo dia... Voltaram a encontrar-se no apartamento do docente... Fizeram amor... Do mais louco e intenso... Com liberdade e sem pudor... Sem segurar gritos e gemidos... Alargando a mente e a imaginação... Conferindo à vida prazer e absorvendo-o através dos corpos... Partilhando-se e dando-se...

- Sabes que sou casada!... – Recordou...

- Sei! – Afirmou Pedro...

Mas mesmo assim... Distantes de todos e sem ninguém saber... Foram amantes até ao final do ano lectivo... Combinavam sem pressões... Quando desse... A verdade é que passou a ser quase todos os dias...

Companheiros de prazer... Amantes de loucura... Volúpia e sensualidade... Espraiando-se nos corpos um do outro... Oferecendo e recebendo... Amor... Sexo e libertinagem... Nua e pura... Nus e impolutos... Crescendo e fazendo crescer... A bem de si e do outro... Em olhares... Toques e apalpões... Afagos de amizade... Carícias de vontade... Penetrações... Beijos e líquidos abundantes... Orgasmos que se conhecem e que viciam...

António Pedro Santos

(Continua)...