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educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

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EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

O meu menino autista nº2

RELACIONAMENTO SOCIAL

É frequente os psicólogos referirem que o Iuri não tem relacionamento social. No entanto, ele tem óptimas relações com todos os colegas da turma e da escola de uma maneira geral e com alguns em particular, com o pessoal docente e auxiliar, interage com outras crianças por iniciativa própria sempre que para tal tem oportunidade.

Contrariando relatos das professoras são do conhecimento dos pais vários episódios de agressividade tanto verbal quanto física por parte de alguns colegas para com o Iúri. Inicialmente ele não se defendia mas auto-agredia-se ou chorava; actualmente o Iúri tem vindo a desenvolver uma postura de defesa retribuindo a agressão em casos mais gravosos e persistentes.

O Iúri tem demonstrado um grande carinho para com as crianças mais pequenas, assumindo uma postura protectora para com elas e uma enorme tolerância para com as suas birras e teimosias.

O Iúri gosta de passear no parque da cidade e de explorar as actividades que lá se encontram, com particular interesse pelo balouço, escorrega, casinha de actividades e mais recentemente desportos radicais mas, só se aventura quando não tem espectadores. Os olhares que lhe lançam e o afastamento deixam-no muito inquieto e tímido.

A mãe vai insistindo em leva-lo sempre que possível, de forma a estimular a sua necessidade de relacionamento social apesar de muitas vezes sentir tratar-se de uma enorme violência psicológica e emocional para ambos. Nesses casos,  tendo em conta a sua auto-estima já tão debilitada, a mãe vai-lhe explicando que ele não tem nada de errado mas sim os outros e que ele tem de ser tolerante com essas pessoas e não dar tanta importância ao facto.

Tal como os pais, o Iuri não tem "vida social". Não tem amigos com quem partilhar descobertas, brincadeiras e festas de aniversário. É, forçosamente, um solitário. Se por um lado aprecia a sua privacidade também é notória a sua tristeza quando o encontramos colado à janela com o olhar penetrado nas brincadeiras dos miúdos na rua, ou no parque quando observa as outras crianças a brincar despreocupadamente, à distância que lhe é imposta pela ignorância alheia. Por norma, tudo o que não se entende é mantido à distância por precaução!

 

INTERESSES

O Iuri sempre manifestou interesse por tudo o que o rodeia demonstrando um grande sentido crítico que reconhecemos através das suas expressões.

Nunca revelou muito interesse por lenga-lengas, histórias ou cantigas, esboçando até por vezes um certo ar crítico e irónico aquando das tentativas frustradas dos pais. A menos que seja de sua iniciativa ou que os temas lhe interessem sobremaneira, não presta atenção quando lhe queremos mostrar ou ensinar algo.

Desde bastante cedo mostrou interesse por música, em particular a ritmada e acústica. Tem um órgão electrónico que explora ocasionalmente.  Há cerca de 3 anos, numa visita a casa de uns amigos, ficou apaixonado por uma guitarra que lá foi encontrar. Porque nunca tinha demonstrado tamanho interesse por um objecto, foi presenteado no seu 9º aniversário com uma viola portuguesa. Foi deveras recompensador presenciar a satisfação com que o presente foi recebido. Cuidadosamente mas com a destreza de um profissional, aconchegou-a para si e experimentou os primeiros acordes na sua viola. De tempos a tempos isola-se no quarto e vai explorando a escala e só quando consegue um som que lhe parece satisfatório é que o partilha connosco abrindo a porta. Na escola iniciou-se na flauta e demonstrou interesse espontâneo e imediato.

Quando incentivado pelo irmão ou pela mãe dança, revelando muita elegância, desenvoltura, ritmo e expressão corporal mas, nunca o faz por iniciativa própria ou a pedido de qualquer outra pessoa, mostrando-se nesses casos, muito tímido e inseguro.

Tem desde sempre demonstrado um particular interesse pelo desenho, em especial de formas geométricas, utilizando cores sólidas. Adora desenhar logótipos, executando esse trabalho na perfeição e recorrendo apenas à memória visual. Reproduz na perfeição os logótipos de quase todas as marcas de automóveis, bebidas, material desportivo e instituições bancárias. Tem igualmente demonstrado particular interesse por torres de igrejas e vitrais recorrendo sempre à memória visual. De tempos a tempos tenta a representação humana e apesar das formas algo primitivas elas revelam emoções e aspectos revelantes das características dos representados. Temos notado que em momentos enigmáticos de maior inquietude o Iúri desenha formas místicas em tons de negro e em traços muito carregados.

Apenas recentemente mostrou interesse pela bicicleta, pelo que os pais lhe ofereceram uma. Dado ser já bastante crescido e as bicicletas adequadas ao seu tamanho disporem já de complexos mecanismos de mudanças de velocidade, o Iuri teve alguma dificuldade em se adaptar e de se equilibrar. Apoiado na mãe ou no irmão, o Iuri iniciou a sua aprendizagem ciclo-motora no passeio em frente a casa. Tendo sido surpreendido por um grupo de meninos que riram do seu comportamento ainda desajeitado, o Iúri saiu da bicicleta, arrumou-a e recusou voltar a andar nela apesar de a olhar de vez enquando com o semblante carregado de tristeza.

Adora folhear revistas e álbuns de fotografias, trantando-os com muito cuidado. Prefere os livros de História ou Geografia das enciclopédias da biblioteca familiar aos livros de banda desenhada da sua biblioteca pessoal.

Mantém a televisão do quarto sempre ligada até adormecer, e geralmente sempre programada nos canais: Odisseia, National Geographic, História.

Adora passear a pé ou de carro. Mesmo nas viagens mais longas, diurnas ou nocturnas, ele mantém-se sempre atento e desperto. Fica feliz quando lhe é permitido sentar-se na posição do condutor e revela alguns conhecimentos sobre o funcionamento do veículo (mudanças e outros mecanismos).

Adora passeios à beira-mar, de desenhar na areia molhada, de observar as ondas mas receia-as e não gosta de ficar por longos períodos na praia – ou seja, fazer praia.

Nos passeios escolares teve oportunidade de assistir a várias peças de teatro e visitar alguns museus que adorou,  mas a sua preferência recaí sempre pelo Oceanário e Teatro.

Apesar da informática fazer parte do seu meio familiar nunca revelou muito interesse por esta. Tem um computador programado com jogos e programas didácticos com interacção de voz que abandonou depois de explorar sozinho todas as opções e ferramentas. Ocasionalmente serve-se do PC da mãe para ouvir música ou para um jogo infantil, revelando conhecimentos básicos que adquiriu sem ajuda.

 Apesar de possuir alguns brinquedos sofisticados prefere coleccionar carros pequenos, caricas, cromos, bandeiras (a maior parte feitas por si próprio), tazos e puzzles que mantém impecavelmente limpos e arrumados.

Quanto aos animais de estimação, já possuiu cão, gato e pássaros pelos quais mostrava respeito, curiosidade e muito receio. A convivência com estes animais não foi muito animadora. Actualmente tem um aquário com 4 peixes e regra geral é o Iúri quem se encarrega de os alimentar, constituindo esse momento um enorme prazer – para ele e para os peixes que saltitam felizes e contentes em busca do seu floco preferido.

 

PERSONALIDADE

O Iúri não tem por hábito chorar, nem para chamar a atenção nem mesmo quando está doente ou tem um episódio doloroso. Tem uma enorme tolerância à dor e raramente se queixa. Só se lhe vêem lágrimas nos olhos quando se sente emocionalmente atingido, em particular quando se sente alvo de injustiça.

É muito obediente e solícito. Mesmo que esteja ocupado com uma tarefa ou brincadeira nunca recusa aceder a um pedido mesmo que contrariado, após o que retorna à sua tarefa.

Prefere um pedido a uma ordem e é pouco tolerante a imposições. Quando lhe é dada uma ordem em voz alta isso deixa-o confuso e aflito e tem dificuldade em compreender e executar a ordem. Se a ordem persistir no mesmo tom ou num tom mais grave ele entra em pânico e chora. Se, pelo contrário a ordem se transformar num pedido em tom moderado e calmo ele executa-o sem dificuldade.

Demonstra prazer em ser útil e prestável e adora participar nas tarefas domésticas.

Se não simpatiza com alguém é incapaz de fingir, e mostra notória contrariedade se for forçado a cumprimentar essa pessoa.

Tem manifestações de carinho para com as pessoas que lhe são mais íntimas ou com quem simpatiza. Às outras finge ignorar.

Interage por iniciativa própria com outras crianças e adultos, desde que estas não lhe tenham demonstrado qualquer tipo de animosidade. É muito tolerante e protector com as crianças mais pequenas.

Tem um melhor relacionamento com adultos, em especial com os elementos da família mais próxima. À excepção destes não tolera que o agarrem ou abrancem efusivamente.

Fica constrangido e sentido quando se sente tratado com condescendência. Afasta-se da pessoa não permitindo o contacto.

É muito perfeccionista e auto-crítico. Pode repetir a mesma tarefa várias vezes até sentir que a consegue executar na perfeição. É muito exigente consigo próprio e detesta fazer algo que possa merecer um reparo ou uma crítica.

Detesta sentir-se observado ou avaliado, mostrando-se pouco desenvolto e procura isolar-se ou afastar-se o mais possível.

Demonstra interesse em manter-se informado sobre o que o rodeia, em especial em assuntos familiares e domésticos. Fica muito atento às conversas e quando estas assumem a forma de discussão, demonstra uma enorme preocupação. Normalmente, nestas situações, afasta-se, aguarda que o episódio acalme e procura a mãe inquirindo-a com o olhar, só aparentando tranquilidade após ter sido devidamente esclarecido.

Utiliza preferencialmente expressões faciais, em particular o olhar, como meio de comunicação.

A mãe tem com ele longas conversas sobre os mais diversos assuntos, obtendo sempre a sua inabalável atenção. Durante a conversa o Iúri vai exteriorizando as suas emoções, dúvidas e entendimento e frequentemente mostra admiração quando são abordados temas relativos à sua pessoa como se perguntasse: "como sabes isso se não te contei?". Existe entre mãe e filho um excepcional entendimento e uma forma de comunicar muito íntima – uma espécie de comunicação telepática.

 

Em jeito de resumo:

·    o Iúri tem uma personalidade muito forte mas revela uma baixa auto-estima;

·    é orgulhoso, perfeccionista e inteligente;

·    tímido, sensível e muito meigo;

·    tem consciência das suas dificuldades e não as aceita;

·    é vulnerável e dependente da opinião alheia;

·    tem consciência da maldade mas não faz uso dela;

·    entende o que o rodeia mas sente frustração por não ser compreendido;

·    sabe amar e reconhece quem o ama;

·    sente dor mas não se queixa;

·    isola-se por defesa e por imposição externa;

·    da mesma forma que é obediente e nunca recusa um pedido também espera que cumpram o que lhe prometem, ficando sentido quando tal não acontece;  

·    sente-se-lhe o desejo de aceitação e tolerância apesar de não o ser consigo próprio.