Hiperactividade 1
DISTÚRBIO DE HIPERACTIVIDADE E DÉFICE DE ATENÇÃO
Introdução
As crianças são normalmente agitadas e desatentas. Correm por todo o lado e nem sempre estão atentas às solicitações dos adultos. São divertidas, têm um óptimo sentido de humor e falam sem parar.
Por vezes, esta energia é demasiado acentuada e pode ser patológica, dificultando o sucesso escolar, as relações com adultos e as relações com os pares. Os adultos sentem dificuldade em lidar com estas crianças, fazendo inúmeras tentativas para mudar o seu comportamento, que falham sistematicamente (Wright, 1995). Muitas vezes a linha que separa a agitação normal infantil da patologia é muito ténue, sendo difícil fazer esta distinção. É importante que os adultos considerem que o comportamento desadequado pode ser o sintoma de um distúrbio. Este distúrbio denomina-se Distúrbio de Hiperactividade e Défice de Atenção (DHDA).
O DHDA afecta 3 a 5% de crianças em idade escolar (APA, 1994), é um dos distúrbios psicológicos mais comuns na infância e afecta maioritariamente crianças do sexo masculino.
As crianças passam grande parte do seu tempo na escola, onde partilham a maior parte das suas actividades diárias com os professores. Aos professores é exigida a difícil tarefa de leccionar matéria, incutir regras e criar limites ao comportamento. Quando na sala de aula existem crianças com DHDA essa tarefa torna-se mais difícil ainda.
A criança com DHDA destaca-se na sala de aula pelo seu comportamento desadequado e falta de atenção. Os adultos que lidam com estas crianças têm dificuldade em controlar os seus acessos de raiva. Estas crianças apresentam baixa tolerância à frustração, teimosia e instabilidade de humor. Têm tendência para o isolamento e falta de auto-estima, relacionadas a falta de aceitação por parte dos pares e dos adultos. Muitos pais e professores interpretam os comportamentos da criança com DHDA como voluntários, recorrendo aos castigos cujos resultados nem sempre são os esperados. As crianças com DHDA são frequentemente vistas pelos adultos e pelos pares como mal-educadas e imaturas, sendo frequentemente submetidas à desaprovação e rejeição dos outros. Esta experiência repete-se ao longo do tempo e, associada às próprias características temperamentais da criança com DHDA, contribui para que a criança se torne ainda mais isolada, frustrada, irritável e com maior tendência de descontrolo emocional. Todos estes factores vão contribuir para o fracasso escolar, social e familiar (Toro, 1998).
O impacto que o DHDA causa na vida da criança pode ser muito variável e depende de vários factores. É muito importante que seja feito o diagnóstico adequado e o mais precocemente possível. O tratamento é realizado por uma equipa multidisciplinar, onde os pais e os professores são incluídos como elementos fundamentais.
História do DHDA
O DHDA não é uma doença dos tempos modernos. Há mais de uma centena de anos Sill (1902, cit. por Lopes, 2004; Toro, 1998) descreveu um conjunto de crianças que apresentavam um excesso de actividade motora e um escasso controlo dos impulsos. Still defendeu que a doença tinha uma origem orgânica e identificou características físicas comuns às crianças hiperactivas: cabeça demasiado grande, malformações no palato e vulnerabilidade às infecções.
Nos anos 40, Strauss & Lehtinen (1947, cit. por Lopes, 2004) criaram o conceito de “Síndrome de Lesão Cerebral Mínima”. Este conceito foi depois desenvolvido por Pasamanick & Knobloch nos anos 60. O conceito Síndrome de Lesão Cerebral Mínima associava os problemas de comportamento a desvios funcionais no sistema nervoso central. Estes autores consideravam que o comportamento agitado das crianças hiperactivas era causado por lesões funcionais no sistema nervoso central.
Nos anos 60 Chess (cit. por Lopes, 2004) falou no excesso de actividade como um sintoma central da doença, realçou a importância de construção de instrumentos objectivos de avaliação, retirou aos pais a culpabilidade pelos problemas dos filhos e separou os conceitos de “Síndrome de Hiperactividade” e “ Síndrome de Lesão Cerebral”.
No DSM-II (APA, 1968 cit. por Lopes, 2004) é criada uma categoria diagnostica denominada “Distúrbio Hipercinético na Infância” Este conceito reafirma a importância da avaliação do comportamento como factor fundamental no diagnóstico do distúrbio.
Nos anos 70 a hiperactividade deixa de ser o factor essencial do distúrbio. As inúmeras investigações que surgem passam a colocar a tónica na importância do défice de atenção e impulsividade (Lopes, 2004).
O DSM-III (APA, 1980 cit. por Lopes, 2004) apresenta novos critérios de diagnóstico, com base nas investigações realizadas nos anos anteriores. A denominação passa a ser “Distúrbio Hiperactivo e de Défice de Atenção”. O DSM-III confere um importante papel ao défice de atenção e impulsividade, sem esquecer a hiperactividade. Os sintomas são apresentados numa lista detalhada de verificação de comportamentos. São criados sub-tipos de Distúrbio de Défice de Atenção (DDA): DDA com Hiperactividade; DDA sem Hiperactividade; DDA residual (constitui um subtipo com contornos pouco definidos).
A década de 90 foi de intensa investigação. O DSM-IV (APA, 1994 cit. por Lopes, 2004) divide os sintomas de uma forma diferente dos manuais anteriores. São agrupados os sintomas de “hiperactividade-impulsividade” e “atenção”. O DSM-IV mostra a importância do despiste realizado em ambientes estruturados, como na sala de aula, e considera que os professores são observadores particularmente privilegiados.
Definição Clínica Actual do DHDA
De acordo com a última versão do DSM-IV (APA, 1994) a DHDA caracteriza-se por (a tabela pode ser observada em anexo):
Padrão persistente de desatenção e/ou hiperactividade, mais severo que o observado em sujeitos de nível equivalente de desenvolvimento.
Défice de Atenção
As crianças com DHDA apresentam problemas de atenção quando realizam diversas tarefas. Esta dificuldade em estar atento pode estar presente durante actividades lúdicas (mudar com frequência de brinquedos ou ter brincadeiras mais curtas que as outras crianças), mas agrava-se durante a realização de tarefas enfadonhas, repetitivas ou que exigem elevados níveis de atenção (Lopes, 2004). Apesar de existir alguma controvérsia em relação aos factores que influenciam a manutenção da atenção, a maior parte dos autores considera que a diminuição da atenção está relacionada com o facto de a tarefa não ser suficientemente atraente para a criança e não possuir recompensa imediata (Barkley, 1990 cit. por Lopes, 2004).
O défice de atenção pode manifestar-se em situações escolares. A criança tem dificuldade em prestar atenção aos detalhes, é pouco meticulosa e comete frequentemente erros durante a realização de trabalhos escolares ou outras tarefas. Estímulos irrelevantes como o barulho de uma buzina de automóvel, conversas de fundo ou barulho de aparelhos de ar condicionado distraem facilmente a criança, que interrompe as tarefas que está a realizar para dar atenção a esses estímulos (APA, 1994).
As crianças com DHDA têm dificuldade em organizar-se, passado de uma tarefa para outra sem conseguir terminar nenhuma das tarefas iniciadas. As tarefas que exigem um esforço mental mantido (por exemplo, tarefas escolares) são consideradas muito desagradáveis por estas crianças (APA, 1994).
Os materiais escolares, como lápis, canetas borrachas são frequentemente espalhados, danificados ou perdidos. As crianças esquecem-se frequentemente de assuntos importantes, como os deveres da escola ou encontros marcados (APA, 1994).
A criança apresenta dificuldades nas relações sociais, pois dificilmente está atenta ao que os outros dizem, muda frequentemente de assunto e não consegue cumprir regras durante as brincadeiras (APA, 1994). Esta é uma das razões porque as crianças com DHDA têm dificuldade em manter amigos, o que também vai contribuir para a sua falta de auto-estima.
Hiperactividade
A hiperactividade manifesta-se por: inquietação, mexer-se frequentemente na cadeira, mexer excessivamente braços e pernas, falar demasiado, correr em locais inapropriados, dificuldade em estar em silêncio, parecer “estar ligado a um motor” (APA, 1994).
Na idade pré-escolar e escolar estas crianças têm dificuldade em estar quietas a ouvir alguém contar uma história. Em casa, levantam-se da mesa antes de terminar a refeição, durante a realização dos TPC ou mesmo durante o visionamento de filmes ou desenhos animados.
Na adolescência e na idade adulta, a hiperactividade manifesta-se por inquietação e dificuldade em manter tarefas tranquilas (APA, 1994). O adulto hiperactivo tem tendência para desesperar em filas de trânsito, não conseguir permanecer sentado em salas de espera e ter dificuldade em estar no mesmo sítio durante muito tempo.
Impulsividade/Desinibição Comportamental
A impulsividade pode ser definida como o fracasso na inibição de comportamentos (Lopes, 2004). A impulsividade é uma característica normal que faz parte do desenvolvimento da infância. É mais acentuada no período pré-escolar, sendo substituída por um controlo dos impulsos e pela reflexão sobre as situações à medida que a criança se vai desenvolvendo (Cruz, 1987; Sonuga, 1988 cit. por Lopes, 2004).
A impulsividade é uma característica central na DHDA e manifesta-se por impaciência, responder antes de ouvir a parte final da pergunta, dificuldade em esperar pela sua vez, interromper os outros, dificuldade em seguir instruções, fazer comentários inoportunos, partir objectos sem querer ou mexer nas coisas dos outros (APA, 1994).
As crianças impulsivas têm mais tendência para sofrer acidentes, pois envolvem-se em actividades perigosas sem pensar no perigo. Desistem facilmente das tarefas e preferem actividades de recompensa imediata a actividades cuja recompensa só surge a médio ou longo prazo (Lopes, 2004).
A impressão que estas crianças deixam nos outros é que são irresponsáveis, mal-educadas, imaturas e difíceis de aturar (Lopes, 2004).
Deve estar presente antes dos 7 anos de idade
A agitação, a falta de atenção e a impulsividade são características normais das idades mais precoces do nosso desenvolvimento. Por esta razão, utilizou-se como critério de diagnóstico os 7 anos de idade, pois a partir desta fase já se espera uma certa maturidade na inibição do comportamento e aumento da atenção.
Os sintomas devem estar presentes em pelo menos duas situações (por exemplo, na escola e em casa)
Apesar de estarem presentes em várias situações, os sintomas agravam-se em situações que exigem atenção ou esforço mental constante (ouvir os professores durante as aulas, fazer o TPC, ler textos extensos, realizar tarefas monótonas ou repetitivas). As situações de grupo também estão frequentemente associadas ao agravamento dos sintomas (APA, 1994).
Em certas situações os sintomas podem parecer inexistentes, especialmente quando a criança está num novo contexto. Numa relação dual, quando realiza actividades apelativas e interessantes e quando recebe recompensas pelo comportamento adequado (APA, 1994).
Os comportamentos interferem no funcionamento e académico da criança.
Os resultados académicos destas crianças são insatisfatórios, o que gera conflitos com os professores e com a família. As crianças com DHDA que não são tratadas, muitas vezes acabam por abandonar os estudos (APA, 1994).
A DHDA tem três sub-tipos: Tipo Combinado (a maior parte das crianças com DHDA apresenta uma combinação de sintomas de hiperactividade e desatenção); Tipo Predominantemente Desatento (maior quantidade de sintomas de desatenção) e Tipo Predominantemente Hiperactivo-Impulsivo (maior quantidade de sintomas de hiperactividade-impulsividade).