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educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando

II

O edifício era velho...

Um enorme portão verde separava o colégio do mundo de fora...

Do exterior... Não dava para perceber qual era a sua composição...

Pedro confirmou a morada e tocou o sino... Era esta a única campainha que existia...

De cigarro na mão... Eis que aparece uma senhora loura... Bem parecida e vestida...

- Bom dia! – Cumprimentou... Observando Pedro com atenção... – É o novo professor? – Perguntou... Enquanto abria o enorme portão verde...

- Sim... – Respondeu timidamente… Pensando para consigo… “Afinal... Apenas venho para uma entrevista de trabalho”... Mas enfim... Dispôs-se a alinhar...

- Faça favor... – Disse... Convidando-o a entrar naquele domicílio... – A directora está à sua espera! – Adiantou...

A mulher trazia um vestido azul claro e comprido... Combinação perfeita para com os seus olhos... Sapatos e brincos... Um ar muito fresco e animado para uma quarentona com muito bom aspecto...

- Pouse aqui a mala! – Sugeriu... Apontando com o dedo para um pequeno escritório que se encontrava à esquerda... – Escusa de andar carregado! – Acrescentou sorrindo...

Pedro agradeceu e sorriu também... Correspondendo àquela forma educada e bem disposta de receber...

Os olhos da senhora rejubilavam e ao mesmo tempo admiravam Pedro em todo o seu conjunto...

Estranha recepção... Ou melhor… Diferente… Afinal… Tanta importância e apreço...

- Venha comigo! – Aconselhou... Guiando-o na direcção de umas escadas...

Pelo caminho cruzaram-se com outra funcionária da escola... Trajada de bata e de avental... Talvez trabalhasse na cozinha...

- Este é o novo professor! – Informou... Apontando para Pedro e tocando-lhe no braço... Revelando alguns sinais de consolo...

A empregada do colégio... Talvez da mesma idade... Contudo... Com menos apresentação... Esboçou um sorriso consonante com o da sua colega... O professor cumprimentou-a e continuou o seu caminho... Seguindo a dita senhora...

As escadas largas eram compostas por dois lances... O primeiro mais curto do que o segundo... Na curva... Pedro olhou para baixo e constatou que a funcionária com quem se haviam cruzado... Chamara uma outra colega que agora o espreitava também...

Ao reparar na situação...A mulher que o acompanhava gracejou:

- Estas mulheres... Parece que nunca viram um homem! – Sorriu... – Só cá trabalham mulheres! Quando nos aparece um... Sabe como é! – Disse... Integrando-se no rol de curiosas... – Já agora... Como se chama? – Questionou... Descontinuando a marcha até ao primeiro andar...

- Pedro!

- Eu sou a Maria da Luz! Mas toda a gente me chama Luz!

- Bom dia! – Interrompeu uma voz feminina... Aproximando-se de Luz com curiosidade... De olhos arregalados e invasivos... Como que procurando arrancar alguma informação acerca daquela presença ali...

Imediatamente... Luz agarrou-o pelo braço e levou-o dali... Gritando:
- Mas vocês... Este é o novo professor!

A cabeça de Pedro estava um pouco confusa... Afinal... Para quem ia apenas para uma entrevista de emprego... Já estava dado como sendo o novo professor...

De braço dado... Cada vez mais próxima e íntima... Luz punha-se à vontade... Informando-o acerca das colegas... Das suas conversas e vontades...

- Isto é preciso muito cuidado com esta gente! – Avisava...

Pedro olhou para trás e contemplou o rosto da rapariga... Talvez trintona... Bastante magra e de cabelo aos caracóis... Atenta ao seu traseiro...

Luz levou-o para mais umas escadas... Muito mais apertadas e íngremes...

À medida que subiam... O pouco espaço apertava-os cada vez mais… Um de encontro ao outro... Até que esta largou Pedro e colocou-se à sua frente... Emanando todo o seu perfume agradável...

Na diferença de dois degraus... Pedro observou o seu rabo... Majestoso e azulado... Com uma cueca alaranjada por dentro...

Pelo caminho... Luz ia falando acerca do colégio e das colegas... Da amizade e camaradagem que ali se viviam... Das crianças e dos jovens... Enfim... Ele parecia demonstrar atenção... Porém... Não dava muito crédito ao facto de já ser um funcionário da casa... Teria de falar primeiro com quem mandava... Depois se veria... Na sua vida já tinha sofrido demasiados dissabores para se deixar ir em conversas...

No cimo existia uma pequena varanda interior que dava acesso a duas portas... Luz agarrou-o de novo e segredou ao seu ouvido:

- É aqui que está a directora...

Aquele segredo... Tão suave e baixo... Arrepiou-o... Luz percebeu e sorriu... Bateu à porta e gritou:

- Dona Filó!

- Entra Luz! – Respondeu uma voz rouca... Mais velha do que a que batera à porta... Todavia... Percebia-se alguma sensualidade na sua fala...

Luz colocou a cabeça dentro da sala e informou:

- Trago aqui o novo professor!

Após algum silêncio momentâneo... A porta abriu-se... E Luz entrou... Fazendo sinal para que Pedro fizesse o mesmo... Com um sorriso marcado pelos seus lindos olhos verdes... Ou seriam azuis?

- Bom dia senhor professor! – Saudou uma senhora que rapidamente se ergueu para o vir cumprimentar... Estendendo-lhe a mão...

Estatura baixa... Elegância magra... A mulher de cabelos castanhos pelas orelhas... Lisos e amadeixados por cores amareladas... Vestia de branco... Calça e blusa veraneante... Sandálias a condizer... Colar de retalhos tribal que lhe caía sobre o peito reduzido... De uma pele morena... Investia... Com um sorriso afável e olhos penetrantes... Uma jovialidade aparente... Bem distante da sua proximidade dos sessenta...

- Sente-se por favor... – Convidou... Reinstalando-se de novo na sua grande secretária... – Esta senhora é a doutora Júlia... A psicóloga do nosso colégio! – Apresentou... Apontando o dedo para uma rapariga... Que se encontrava sentada numa outra secretária... Em frente a um computador... Talvez da idade de Pedro...

Cumprimentou-se à distância com uma expressão facial...

A directora da escola observava Pedro olhos nos olhos... Como que... Avaliando a sua qualidade... Ou melhor... As suas capacidades...

Luz sentou-se ao lado da directora... Apoiando os cotovelos na mesa e as mãos na sua face... Aguardando...

Por seu lado... A psicóloga... Que já se havia levantado... Sentou-se do lado esquerdo de Dona Filó...

- Então... Senhor professor... – Iniciou a mesma... – De onde vem?

Pedro respondeu prontamente que vinha da margem sul do Tejo... E Luz interrompeu de imediato... Para informar que também tinha família lá por esses lados...

A directora torceu o nariz... Face à distância a que se encontrava da sua terra natal... Pedro percebeu-o e acrescentou:

- É um pouco longe... Mas já estou habituado! Afinal... Tenho andado de terra em terra!

- Eu sou alentejana! – Afirmou Luz... – E a doutora é de Viseu!

- Bem... – Interrompeu a directora... – Mas é sempre desagradável sair de casa! Eu tenho filhos e sei bem o que isso é!

A psicóloga olhava-o sem sorrisos... Já a directora e Luz pareciam bem mais afáveis...

- Ora... Senhor professor... – Iniciou a directora... Colocando os óculos procurando o seu nome no meu currículo vitae...

- Pedro! – Adiantou Luz... Olhando para o docente com cumplicidade...

- Professor Pedro... Quais são então as suas habilitações?

- Sou licenciado em ensino... – Respondeu Pedro... – Na área da educação física.

- Quantos anos tem de experiência? – Atalhou Júlia... Expondo a sua pronúncia do norte do país...

- Nos últimos quatro anos leccionei educação física em escolas do ministério da educação. – Informou Pedro... Olhando a psicóloga... Uma moça nova... Cabelos louros... Pele muito branca e deslavada... E de poucos sorrisos...

- Já deu aulas ao primeiro ciclo? – Interrogou a Dona Filó...

- Não... Ainda não! – Respondeu Pedro... Esfregando as mãos nas pernas... Disfarçando as manchas que ficaram da queda do autocarro... Intermediando o seu nervosismo com a coerência do seu discurso...

- Mas tem habilitação? – Contrapôs a mesma...

- Sim! Tenho!

O curso superior que Pedro concluíra... Era uma licenciatura em educação física... Porém... O mesmo conferia-lhe habilitação para a docência no primeiro ciclo do ensino básico...

Não fazia parte das suas ambições dar aulas na primária... Mas a instabilidade profissional das colocações do ministério da educação... E a precariedade do sistema nacional... Aliados à falta de dinheiro e tudo mais... Faziam-no arriscar...

- Quer trabalhar connosco? – Inquiriu a directora... Com um sorriso nos lábios...

- Quero!

A mesma sorriu e posteriormente falou um pouco acerca do colégio:

- Esta escola é um estabelecimento privado que atende alunos com necessidades educativas especiais... Desde há dez anos a esta parte...

Pedro estremeceu só de ouvir... Não fazia ideia... Nem tinha qualquer experiência no trabalho com deficientes... Ainda assim... Pensou… Que talvez lhe exigissem menos do que exigiriam se fossem alunos ditos normais... E para mais... Pedro precisava mesmo de trabalhar...

- Já trabalhou com este tipo de alunos? – Questionou a psicóloga... Com um ar agreste e de poucos amigos...

Pedro tinha de responder qualquer coisa... Nem que fosse mentira... Afinal... Ele precisava do dinheiro:

- Tive... Tive uma pequena experiência com este tipo de alunos durante o curso! Que gostei bastante e que foi enriquecedora para a minha formação profissional e pessoal.

A Dona Filó sorriu e perguntou:

- O que achou de trabalhar com esses miúdos?

- Foi uma experiência gira! – Exclamou Pedro... Com pouca certeza do que dizia...

A directora sorriu de novo...

- Diz aqui no seu currículo que tem experiência em desportos de combate... – Assegurou a psicóloga... Articulando palavras com uma sonoridade nortenha...

Pedro só se recordava de uma pequena acção de formação acerca de desportos de combate que fizera num dos últimos anos... Mas mesmo assim... Respondeu afirmativamente...

- É que sabe... Temos aqui alunos complicados! – Avisou... – Talvez lhes fizesse bem umas aulas de judo ou de karaté!

- Penso que sim! – Correspondeu Pedro... Demonstrando disponibilidade...

Luz estava embevecida com a conversa... Os seus olhos rejubilavam durante a conversação... A directora... Mais recatada... Mantinha-se numa posição mais observadora...

Durante alguns momentos trocaram-se palavras e frases acerca da educação... Falou-se da especificidade daquelas crianças... No trabalho árduo e na recompensa do mesmo... Exaltou-se a paixão e o carinho com que funcionários e alunos partilhavam... Nas dificuldades da sua integração na sociedade... Enfim... Para isso Pedro também tinha conversa que impressionasse...

- Ora bem... Vamos lá então... – Abreviou a directora... – O senhor professor deve ter mais do que fazer! – Exclamou a mesma... Talvez… No sentido de elevar a aura de Pedro… Menosprezando a sua própria importância e a da instituição... – Tenho para lhe oferecer um horário de vinte cinco horas... Para trabalhar com este tipo de alunos.

As suas palavras fluíam de uma forma lenta… Suave e pausada... Continuou:

- No período da manhã... O professor dará aulas de escolaridade… Depois do almoço faremos pequenos grupos para educação física e psicomotricidade... Já agora... Tem conhecimentos de psicomotricidade? – Questionou... Levantando os olhos do papel onde estava discriminado o horário...

Pedro engoliu em seco e objectou:

- Tive essa cadeira no curso! – Contudo... Dentro da sua cabeça cogitou: “Tenho de investigar um pouco acerca desta área”...

- Ainda bem! É uma área muito importante para o desenvolvimento destas crianças e jovens!

Luz continuava a contemplar o desempenho de Pedro com admiração... Já Júlia… Parecia bem mais convencida que há pouco... Dona Filó avançava:

- Quanto tempo de serviço tem?

Pedro tinha leccionado ao longo de quatro anos lectivos... Porém... Com a quantidade de horários incompletos... Na realidade nem chegavam a dois...

Depois de apresentar a situação... A directora explicou que tinha para ele o cargo de director pedagógico do estabelecimento de ensino... Pedro não sabia o que isso era... Todavia... Dona Filó explicou-lhe que não iria dar muito trabalho... E que as três ajudariam no que fosse necessário...

- O problema é que a legislação obriga-nos a ter alguém com dois anos de serviço completos! – Advertiu... – No mínimo!

- Pois... – Disse Pedro... – Só se fizermos as contas!

O ar um pouco mais descontraído... Do que há pouco... Deste novo candidato ao emprego... Contagiava as restantes pessoas que compunham aquele quadro pseudo aplicado... Que em seguida se desfizeram num sorriso...

“Oxalá batessem certo! As contas!”... Pensava Luz para si... Pedro sabia bem que não...

Depois de recorrerem à cópia do registo biográfico... Efectuaram as contas... Duzentos e sete dias... Mais duzentos e setenta e nove... Sessenta e seis dias com cento e dezassete...

- Um total de seiscentos e sessenta e nove dias de serviço! – Informou Júlia... Com certeza e convicção...

- Então dá! – Exclamou Luz... Abrindo os braços e afastando-os do seu rosto... Talvez sabendo que não... Ou… No sentido de dar alguma força à contratação...

Pedro abanou a cabeça e lembrou:

- São trezentos e sessenta e cinco dias vezes dois.

- Correspondente a dois anos completos! – Disse Luz... Acamando de novo as mãos na sua face... Como se estivesse em consonância com o assunto tratado...

Dona Filó... Continuava a olhar para o papel... Mordendo suavemente o lábio...

- Mas falta pouco? – Perguntou Júlia...

- Sessenta e um dias! – Afirmou a directora...

- Dois meses! – Gritou Luz... Em desolação...

Pedro abanou a cabeça... Desalentado pela falta de sorte... E por momentos... Naquele escritório... O silêncio imperou... Como se todos estivessem preocupados com a situação...

- Como soube deste colégio? – Interrogou a directora... Mudando de assunto...

Pedro informou que era uma prática comum... Sempre que mandava propostas de trabalho para qualquer instituição... Ia à lista telefónica e tirava moradas para posterior envio...

- Bem... O lugar é seu!– Atalhou Dona Filó...

Pedro rejubilou por dentro... Num arrepio de fulgor e de iluminação...

Contudo... Havia algo mais a tratar:

- Faz-me um contrato de trabalho?

- Este ano não! – Respondeu prontamente... – Talvez para o ano que vem! Tem recibos verdes?...

Pedro não queria trabalhar com recibos verdes... As regalias eram outras... Não havia décimo terceiro... Nem subsídio de férias... Enfim... Nem segurança... Quando não servisse podiam correr com ele...

Mas mesmo assim contrapôs:

- Terei de ver com sindicato... Porque não sei se dará para fazer contagem do tempo de serviço...

- É sindicalizado? – Perguntou a directora... Franzindo o sobrolho...

- Desde o início da minha carreira!

Dona Filó recostou-se para trás e arrumou os papéis... De braços esticados... Apoiou-se na mesa e refraseou:

- Então ficamos assim! Veja lá isso no seu sindicato e depois falamos! O lugar é seu de qualquer forma!

Pedro sorriu e comprometeu-se a verificar a situação... Porém... Queria ter ainda mais certezas e acrescentou:

- Quando me quer cá?

Dona Filó explicou-lhe que as aulas teriam início dentro de três semanas... Contudo... O trabalho de preparação do ano lectivo teria início dia um de Setembro... Ou seja... Dentro de poucos dias... Pedro predispôs-se a voltar no dia seguinte... Com a resposta do sindicato...

Em seguida... A directora sugeriu que Luz e Júlia o acompanhassem numa visita guiada pelo estabelecimento de ensino... Mesmo sem alunos... Pedro teria oportunidade de conhecer alguns dos cantos à casa...

António Pedro Santos

(Continua)...