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educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando

IV

Naquele quarto do último piso... Ou melhor... Acima dele... Na tal água furtada... Pedro desmantelou a mala pesada que carregara durante todo o dia…

Aos poucos... Começou a estruturar aquele espaço com vontade... A roupa ficou espalhada num guarda-fatos envelhecido e maltratado pelo tempo... As poucas pastas e os documentos de apoio à prática... Ficaram em cima de uma cómoda de pés altos... De construção rudimentar e com uma única gaveta... Seria uma adaptação de secretária... Escrivaninha bailadora que gingaria sempre que sentisse um toque...

No balcão da cozinha... Pousou um termo com dois compartimentos... Um resto de arroz de manteiga e quatro almôndegas... Tudo confeccionado pela sua mãe... Que à distância ainda não se havia habituado a esta mobilidade condicionada pela conjuntura nacional da sua profissão... “Podias ter sido enfermeiro!”... Dizia... Cobrando a má escolha do filho... “Ou até engenheiro!”...

Pedro acabava sempre por sorrir e reafirmava sempre: “Antes feliz e realizado... Do que prisioneiro dos intentos dos outros!”...

A sua mãe acenava-lhe sempre com a cabeça... Desdenhando das suas frases bonitas... Que ainda assim a deixavam sem argumentos... No fundo ela sabia que ele estava certo em seguir a sua paixão... Mas temia que Pedro lhe desse razão...

Por vezes... Ele próprio reflectia acerca de tudo o que a sua mãe lhe dizia... No sofrimento do dia-a-dia... Na precariedade e instabilidade pessoal e profissional... Ano após ano... Numa conquista atroz por um lugar na vida activa... De um mundo competitivo... Onde se esquecem valores e afastam sentimentalismos… Num desassossego de atropelo... Por cima e por baixo de semelhantes... Com uma boa dosagem de entusiasmo... Ao sabor da cunha e do compadrio... Num processo de colocação burocrático e pouco transparente... Onde as novas gerações... Responsáveis pelo futuro do nosso país... Vivem numa ansiedade constante... Incertos e sem saber se terão emprego amanhã...

Pedro jantou mais cedo do que o habitual... Sozinho como tantas outras vezes... Olhando a janela... Onde a luz... Cada vez mais fosca... Entristecia ainda mais aquele local e a sua solidão...

Ligou à sua mãe para dizer que estava bem... Do outro lado... Um rol de recomendações já habituais de outras alturas... “Vê se comes!”... “Não andes com a roupa suja!”... “Não te deites tarde!”... Pedro ria sempre... Mas acatava os seus avisos com carinho...

António Pedro Santos

(Continua)...