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educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

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EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

A braços com a Loucura. Ou melhor ... Ensaiando

XI

O tão esperado dia chegara por fim…

Pedro acordou duas horas antes das nove... Estava sem sono e demasiado nervoso para ficar na cama...

Tinha a aula mais ou menos planificada... Enfim... Era o primeiro dia... Teria conversas... Alertas... Perguntas e uns joguinhos... Seria um dia para melhor se conhecerem... Professor e alunos...

O sol da manhã aparecia cada vez com mais força... No terraço... Aproveitava os últimos resquícios de bom tempo do Verão para desfrutar... Tomando o pequeno-almoço ao ar livre...

O telemóvel tocou... Era do sindicato...

A informação era clara... O recibo verde estava fora de questão... Não só colocava em causa a contagem de serviço tempo para efeitos de concurso... Como comprometia a antiguidade para a reforma... Todavia... A voz feminina que lhe transmitiu esta informação... Também não estava bem certa... Contudo... Lembrou-o da luta pelos direitos fundamentais... A atitude prepotente do ministério da educação... O desrespeito e a demagogia do governo... Recordando: “Está na nossa mão a defesa dos nossos direitos! Não devemos sujeitar-nos ao trabalho mal remunerado e sem condições! Está na nossa mão!”...

Pedro escutou-a... Quase sem palavras... Agradeceu o esclarecimento e desligou o telemóvel... Completamente desfeito e sem saber o que fazer…

Na verdade... Nunca tinha começado a trabalhar tão cedo... Conseguiu colocação num estabelecimento de ensino privado... Longe da sua residência… E de todos... Já estava instalado e motivado para o início do novo ano lectivo... Conhecia a escola por dentro e já havia realizado algumas adaptações... Teria de falar com Dona Filó e expor-lhe a situação...

Às oito horas da manhã... Pôs-se ao caminho e dirigiu-se ao colégio... Completamente desmotivado e desconcertado... Pelo caminho... Passou pelo café do costume... Estavam lá Luz... Preta e Bela...

- Bom dia! Já? – Cumprimentou Luz esbugalhando os olhos claros... Em sinal de admiração... – Ainda é cedo!

Pedro sorriu e sentou-se... Respondendo:

- Gosto de acordar cedo!

As três mulheres olhavam-no com atenção... Enquanto bebia o café... Nessa manhã... Derivado ao sucedido... Pedro estava pouco conversador e pouco disposto para a ouvir...

- Como é a casa? – Perguntou Bela... Fitando-o… De olhos marcados pelo tique da sobrancelha...

- Bom... – Interrompeu Luz... Afastando ligeiramente a cadeira... – Já queres saber demais...

Bela não respondeu... E continuou a olhar Pedro nos olhos... Efectuando uma expressão facial de desdém das palavras de Luz...

Pedro respondeu que estava satisfeito com o apartamento... Sem adiantar muitas palavras...

Bela sorriu... E ainda assim... Continuou a mirá-lo nos olhos... Com o queixo apoiado pela mão…

Luz provocou... Segredando a Pedro:

- Ela é muito metediça!

- E se fosses pró caralho! – Desabafou Bela... Carregando ainda mais o tique das sobrancelhas... – Ai desculpe! – Disse... Olhando para Pedro atrapalhada...

- Desculpe?... Desculpe?... – Repetia Preta... Abanando a cabeça... Como se não houvesse nada a fazer...

- Saiu-me! – Lamentou Bela...

- Saiu-me... Saiu-me... - Duplicou Preta... Continuando o movimento e soprando...

- Sai sempre! – Exclamou Luz... Rindo à gargalhada...

- Vai apanhar na cona! – Gritou Bela...

Pedro estremeceu... As pessoas que estavam nas restantes mesas... Olharam-na... Bela não pareceu preocupar-se... Desculpando-se de novo com Pedro... E modificando repentinamente o seu aspecto másculo... Para uma figura mais dócil e afeminada... 

Pedro levantou-se e despediu-se... Dizendo que ia para a escola... Luz predispôs-se a ir com ele... Ao sair ainda escutou Preta... Ao longe:

- Já enxotaste o homem!

- Vai pró caralho! – Respondeu Bela...

Ao aperceber-se... Luz declarou:

- Esta é sempre assim! Mas não é má pessoa!

Pedro sorriu... Parecendo não se importar...

- Preciso de falar com Dona Filó! Será que já chegou? – Questionou...

- Só costuma chegar lá para as dez... Dez e meia. – Correspondeu... – Mas como hoje é o primeiro dia... Deve vir mais cedo!

Como ainda era cedo... O professor acompanhou Luz até ao escritório da direcção…

Depois de subirem as escadas apertadas... O telefone tocou... Entraram...

Luz atendeu com uma voz meiga... Contudo... Ao perceber que era Leontina... A condutora da carrinha... Passou a tratá-la de uma forma mais agressiva... Sempre olhando para Pedro com um ar de cumplicidade... Enquanto a esclarecia acerca de uma morada de uma das alunas... No final do telefonema... Pedro perguntou:

- Vão buscar todos os alunos às suas casas?

- A maioria sim! – Afirmou... – Ou simplesmente... Combinamos um local de encontro... Onde se apanham dois ou três!

Luz continuou a conversar acerca dos transportes dos alunos... Pedro não estava muito disponível para a conversa…

Enquanto fumava o cigarro... Agitava a cabeça e modificava sorrisos... Como se estivesse consonante com a sua conversa... No interior da sua cabeça... Um rol de dúvidas intrigava-o... Por completo...

Elisa e Júlia entraram no escritório... A educadora deslocava-se lá dentro com dificuldade... Encerrando os olhos e agitando os braços... De forma a afastar o fumo do tabaco que os dois produziam... Júlia também acendeu um cigarro...

Depois de ficar um pouco... Elisa apanhou um dossiê e dirigiu-se à porta... Dizendo:

- Vou andando para a sala... Não consigo ficar aqui!

- Espera por mim! – Pediu Júlia... Com a pronúncia nortenha do costume...

- Nem penses! – Exclamou... – Não aguento isto!

- Vou contigo! – Disse Pedro... Dirigindo-se para a porta...

Desceram as escadas íngremes e com pouco espaço... Até chegar à sala comum...

- Queres ver a minha sala?... É esta! – Informou enquanto abria uma pequena sala... – Não tem condições nenhumas... E é super pequena! Não sei como vou trabalhar aqui com cinco alunos com problemas graves e mais uma auxiliar!

Pedro apercebeu-se de alguma mágoa de Elisa face à forma como falava daquela escola... E sentiu-se à vontade...

- Vais ter uma auxiliar?

Elisa abanou a cabeça... E encerrou os olhos... Em sinal de depreciação e de destempero...

- Logo a Telma! – Adiantou... – Bem isto neste colégio... Está cada vez pior!

Elisa deixou transparecer algum incómodo...

Alguma amargura patenteava o seu rosto... As posições e expressões... Transmitiam algum descontrole e angústia... Um ser algo instável... Que aos olhos de Pedro... E sem saber porquê... Não parecia muito fiável... Afinal... Não o conhecia tão bem assim... Para fazer tantas confidências... Qual seria o seu propósito?...

No fundo... Pedro estava descontraído... Desde o telefonema do sindicato... Foi-se preparando para uma eventual saída... Sabia que não iria ter contrato de trabalho... E a recibo verde não ficaria…

Ao longo daquela manhã... Foi premeditando um antecipado regresso a casa... Teria de voltar a aguardar por uma eventual colocação... Para isso... Era necessário que a lista de candidatos esgotasse quase na sua plenitude...

- Tens contrato de trabalho? – Perguntou Pedro...

Elisa... Esboçou um rosto de admiração e transfigurou-se...

De alma doce metamorfoseou o seu estado aparentemente saudável... Para uma ira desmesurada...

- Alguma vez? Gritou... – Aqui quase ninguém tem! – Disse... Baixando a voz... Em segredo...

Pedro respirou fundo e sorriu... Ocultando a vontade de lhe responder...

- E tu? Como estás? - Perguntou Elisa... Abrindo os olhos... No sentido de desenterrar algo escondido...

Pedro suspirou...

- Eu... Ainda tenho tudo por definir! – Informou...

- Mas hoje já começas! – Afirmou... Completamente surpresa...

Pedro abriu os braços... Em sinal de dúvida... Acrescentando:

- Por acaso queria falar com a Dona Filó... Mas... Ainda não apareceu! – Desculpou-se...

Elisa aproximou-se e confidenciou-lhe:

- Ela não é o que aparenta! É preciso muito cuidado com ela...

- Realmente... – Interrompeu Pedro... - Isto por aqui é um bocado familiar! Ainda ninguém me explicou como isto se vai processar hoje!

- Nem explicam! – Exclamou Elisa... Sorrindo de contentamento... Talvez por perceber a sintonia para com Pedro... – Tu vais para a tua salinha e aguardas os miúdos! É assim!

Entretanto... Júlia desceu e a conversação acabou...

- Vou para a minha sala! – Disse... Ecoando o seu característico sotaque... – Hoje parece que tenho poucos miúdos!

- Eu também já vou andando para a sala! – Disse Pedro afastando-se...

- Não te admires! – Avisou Elisa... – Isto aqui é assim!

Pedro voltou-se... Enquanto se afastava e visualizou o rosto da educadora... Repleto de boa disposição por ter encontrado um novo “amigo”... Alguém confidente dos seus problemas profissionais... Pedro não achou muita graça à situação... Ainda por cima… Por esta ter feito a cena na presença da psicóloga... Estranho...

E seguiu para a sala... Lá dentro... Contemplou o ambiente com alguma nostalgia... Seria pena ter de deixar aquela sala... Mas enfim... Era assim a vida...

Deslocou-se até à porta e esperou que os alunos chegassem... Avisaram-no... Que nem todos chegavam à mesma hora... Porque... Para além de virem de zonas diferentes... Só havia uma carrinha e uma condutora no colégio...

O dia estava bonito e repleto de luz solar... Irradiando a sala de um colorido inexplicável... Os canteiros ao abandono... Tornavam o pátio mais triste e só... Subitamente... Uma melodia de guitarra entrou na sua cabeça... Como banda sonora melancólica... Fazendo-o recordar com alguma tristeza a sua casa... Assim como todo o seu percurso profissional... Atribulado e infeliz…

Lembrara-se da sua viola... Um instrumento que estudara quando era muito novo... Algo que lhe proporcionava prazer e tranquilidade... Infelizmente... Não lhe dedicava o tempo suficiente…

Olhou para a sua mão esquerda e apertou as cabeças dos dedos... Verificando a sua resistência e pressão ao esforço…

“Se cá ficar... Trazer-la-ei!”... Pensou...

- Bom dia! – Interrompeu uma voz... – É o novo professor?

Pedro respondeu afirmativamente àquele aluno... Muito obeso e anafado... De olhar magoado e disperso... E retribuiu o cumprimento estendendo-lhe a mão...

- E tu como te chamas?

- Carlos Manuel da Luz e tenho dezassete anos! – Respondeu... Enchendo o peito de vaidade... Orgulhoso de saber o nome completo e a idade... Pedro convidou-o a entrar e a sentar-se...

- E os teus colegas?

- Devem estar a chegar! – Afirmou... Esticando o indicador... – Eu venho a pé! Chego sempre primeiro! – Completou... Inundado de vaidade...

Aquele aluno borrachudo falava pelos cotovelos... Do ano lectivo transacto... Da família e do seu trajecto diário... Carros velozes… E mais coisas...

Pedro retorquia... Escutando-o e fazendo-lhe perguntas... Desenvolvendo assunto para criar ambiente... Carlos... Embora quase com dezoito anos de idade... Apresentava um rosto desconforme... Uma vontade imensa em expressar-se oralmente... Contudo um olhar distante e escurecido... Que vestia roupa infantil... Apesar do seu corpo de adulto... Calções e camisa florida... Ténis brancos com meias puxadas até cima... Chapéu vermelho e verde... Com as insígnias portuguesas... Bem antes da euforia da selecção...

- Olá! bom dia! Rum... Rum... Bom dia! Sou a Cristina! – Saudou efusivamente uma aluna com síndrome de down... Magrinha... Andar desengonçado e movimentos engraçados... Penetrou dentro da sala... Repetindo a sua felicitação ensaiada... Com actividade... – Vamos Cristina! Rum... Rum... – Dizia... Para si própria...

Trazia mochila às costas... Roupa e sandálias cor-de-rosa... Cheia de bonecos infantis... Usava óculos coloridos...

Bom dia Cristina! – Cumprimentou Pedro... Com uma certa criancice... Depois de constatar as suas limitações... – Estás boa?

- Estou! Rum... Rum... E tu? – Questionou... Retribuindo a felicitação... Olhando enviesadamente para o novo professor... Bem na sua frente...

- Tu não! Você! – Reparou Carlos... Olhando para Pedro com alguma cumplicidade... – As férias foram boas? – Inquiriu...

- Ãh? As Férias? Rum... Rum... – Repetiu... Tentando processar aos poucos a pergunta... – Sim! Rum... Rum... Boas! Sim! As férias! Boas! Foram boas Cristina! Rum... Rum... – Soltando uma gargalhada estranha... Que a fez esconder os dentes com ambas as mãos... De vergonha…

Carlos enxergou Pedro e efectuou um sinal de cumplicidade... Certificando a loucura de Cristina... Rodando o indicador direito na testa...

- Onde é que te sentas Cristina? Ai... Rum... Rum... – Perguntou para si própria... Passeando às voltas... Circulando o corpo à toa... Sem saber bem o que fazer...

- Onde quiseres Cristina! – Exclamou Pedro sorrindo...

Por instantes... Cristina olhou em redor... Como que... Procurando o melhor lugar para o efeito... Visualizou... Pensou... Circulou e lá se sentou por fim...

Subitamente... Entraram mais dois alunos... Em silêncio... Um deles ficou estático à porta e o outro foi sentar-se a passos largos numa cadeira das de trás...

- Bom dia! – Cumprimentou Pedro... – Como se chamam?

- É o Carrapito e o Filipe! – Afirmou Carlos... Em voz alta...

Nenhum deles respondeu... Pedro dirigiu-se à porta e convidou o aluno que ficara estagnado a entrar na sala...

Este aluno com síndrome de down... Óculos bem graduados e alourado... Vestia fato de treino e segurava um enorme lápis amarelo... Assim como uma mochila às costas e um enorme saco desportivo na mão...

- Senta-te aqui Filipe! – Disse Carrapito... Gaguejando num tom muito agudo…

Carrapito era muito gordo... Apresentava uma enorme cabeça e metia uma das mãos constantemente na boca...

- Então... Tu és o Carrapito? – Perguntou Pedro... Alongando a mão para o cumprimentar… Este retirou a mão da boca... Cheia de saliva e apertou a do professor... Sem contudo o olhar de frente...

- Bom dia Filipe! Tás bom? Rum... Rum... – Cumprimentou Cristina... Voltando-se para trás muito direita... Filipe não respondeu... Limitando-se a murmurar quaisquer palavras... Dificilmente perceptíveis... – Olá Carrapito! Rum... Rum...

- Bom dia Cristina! – Balbuciou Carrapito... Em voz aumentada e amolada... De mão na boca e sem a olhar...

Para não esperarem... Pedro distribuiu por todos uma folha em branco e lápis de cor... E convidou-os a desenhar... Ou a escrever... O objectivo seria utilizarem o papel como quisessem...

Os alunos alimentaram um pouco a sua criatividade e conversaram entre si... Pedro regressou à porta para ver se vinha mais alguém... Carlos acompanhou-o... Verificaram que já lá estavam mais alunos no exterior... O professor apresentou-se e convidou-os a entrar... Carlos nomeou-os um a um:

- Ora vamos lá... Esta é a Maura... A Sarita... A Raquel... A Ana que é irmã do Mário... Olá Mário! – Interrompeu Carlos... Felicitando-o... – O Bruno! Então Bruninho? Amigalhaço! – Disse abraçando-o... – A Patrícia... O Ronaldo e o João... Olá amigo! – Cumprimentou com uma grande pancada nas costas...

Carlos contemplou Pedro esboçando uma expressão de missão cumprida... O professor bateu-lhe nas costas e agradeceu-lhe...

Depois de sentados... Ficaram a fazer um desenho... E alguns... Mais desembaraçados... Trocavam palavras de amizade e de saudade... Pedro observava-os um a um…

“Que bom seria se pudesse ficar!”... Pensou... Completamente deliciado com o ambiente de ingenuidade cristalina e de afecto puro... Que se vivia naquela sala de aula... Tão diferente da maioria das outras... Os alunos partilhavam os materiais e sorriam... Mesmo com todos os seus problemas e deficiências... Deixando de lado as necessidades e as contrariedades da vida…

De súbito... Uma cabeça espreitou na porta e desapareceu... Pedro apressou-se ao local e verificou que um aluno se afastava...

- Olá! – Congratulou Pedro...

O aluno... Aparentemente assustado... Voltou-se para trás e interrompeu a marcha... E perguntou pausadamente:

- Está a falar comigo?...

- Sim! Espera! Como te chamas? – Demandou... Deslocando-se na sua direcção...

O aluno... Alto e muito bem parecido... Revelava alguns tiques e alguma instabilidade...

- Sou o Teófilo! – Disse hesitando... – Como o…

- Como o presidente! – Interrompeu Pedro… - Teófilo Braga!

O jovem aluno olhou-o nos olhos… Como se… Tivesse havido alguma empatia…

- Não vens para a sala? – Questionou Pedro...

O aluno pareceu mais nervoso e instável... Os seus pés começaram a mover-se... Parecendo querer sair dali…

Pedro acalmou-o e convidou-o a entrar... Segurando-o delicadamente no braço...

- Olá Teófilo! – Congratulou Carlos... Assim como alguns dos restantes alunos...

Discretamente... Teófilo efectuou um cumprimento generalizado à sala e sentou-se... Sozinho...

Depois disso... Chegaram mais alunos... Virgílio... Com baba no canto da boca e um tique quase sempre presente… Que consistia em cerrar um dos olhos...

Chegou ainda... Luís... De aspecto aparentemente normal... Porém muito calado... O Roberto... Muito falador... Timbre de voz muito grave e elevado... Enfim... A sala estava a compor-se aos poucos...

O burburinho ia-se instalando... Pedro sentou-se numa cadeira e contemplou-os com benevolência e alguma subtileza... Apresentou-se e disse que seria o novo professor... Maura... Sarita e Raquel murmuraram entre si... Enfim... Palavras... Risos de alguma vergonha... Já... Bruno... João... Teófilo e Virgílio... Fitavam-no com atenção…

Os restantes alunos desenhavam traços ameninados na folha branca... Outros pareciam completamente alheios... Como Cristina e Filipe…

De cara séria... Carlos na primeira fila... Olhava a turma como se fizesse parte do corpo docente...

O novo professor... Apenas falou do seu nome e nomeou a terra de onde vinha... Pediu a todo que se identificassem de novo... Nem todos falaram ou responderam... Mas Carlos ajudou... Depois disso... Pedro deslocou-se pela sala e conversou individualmente com os discentes... Procurando saber um pouco mais acerca de cada um... De onde vinham... Do que gostavam... Enfim... Tentar perceber um pouco as suas capacidades e as suas limitações...

O grupo era dissemelhante... Alguns não sabiam o nome completo... Outros inventavam a idade... A maioria não sabia escrever... Nem mesmo o próprio nome...

Eis que... Dona Filó entrou na sala... Galanteado-os... Alguns avançaram na sua direcção e abraçaram-na com ternura... E alguma força...

- Bem vejo... Que já conhecem o vosso novo professor! – Certificou... Elevando a voz com um jeito adocicado e mélico...

- Sim! – Gritou Maura... Desconjuntadamente... Tapando em seguida a boca com a mão...

- Gostas do professor Pedro? – Perguntou Dona Filó... Amplificando a sua curiosidade... Face à manifestação desta...

Maura escondeu a cabeça entre os braços e disse:

- É... Bonito!

A directora e o novo professor riram com a resposta...

- Bonito! Ãh? Rum... Rum... – Disse Cristina... Apanhando a deixa da colega...

– Ai... Ai...  Cristina... – Exclamou Carlos... Esticando o dedo na sua testa...

- Eu sou do Sporting! – Gritou Roberto... Já de pé... Entre Pedro e Dona Filó... – Este ano ganhamos o campeonato! – Insistiu... Segurando o braço dos dois e salpicando-os de saliva...

- Sim! Sim! Roberto... – Assegurou a directora... Afastando-o suavemente... De forma a proteger-se das investidas deste... – Eu depois falo contigo!... Deixa-me falar com o teu professor... Se fazes favor... – Pediu... Contemplando-o com um olhar meigo...

Pedro constatou a gentileza com que esta se dirigiu ao aluno... Assim como aos restantes... Elevando a educação de um modo soberbo... Com uma dicção clara e perceptível... Delicadamente pronunciada...

- Por favor! – Demandou... Dirigindo-se à classe... – Vão até ao intervalo que eu preciso falar com o vosso professor!

- Mas ainda não são horas! – Exclamou Teófilo... Olhando para o seu relógio... E movimentando o seu corpo com algum nervosismo...

- Tens razão! – Comprovou... Olhando-o… – Só que hoje é o primeiro dia de aulas e eu preciso de falar com o professor Pedro! Pode ser? – Esmolou... Fazendo olhos de quem implora...

Teófilo acedeu ao seu pedido e saiu... Assim como os restantes...

Dona Filó sentou-se numa das cadeiras dos alunos... Algumas eram mesmo muito baixas... O seu aspecto frágil... Imenso de classe... Parecia estar um tanto ou quanto transtornado... Parecia querer dizer-lhe alguma coisa... Mas Pedro antecipou-se:

- Precisava mesmo de falar consigo!

- E eu também! – Disse... Cruzando as pernas num movimento carregado de alguma sensualidade... Apesar da sua idade... Aquela mulher era dona de um encanto diferente... Pele morena... Cabelo arranjado... Sem muita tinta ou batom... Olho profundo e aparentemente sensato... – Nem imagina os problemas que tenho tido no arranque deste ano lectivo... Mas diga você primeiro! – Pediu... Respirando fundo...

Pedro explicou-lhe toda a situação... O encanto que sentiu em receber aqueles alunos... Socialmente diferentes... Do telefonema do sindicato... E de todos os alertas que lhe fizeram... Dos seus medos e receios... Da paixão que tinha para com o seu trabalho... Assim como dos projectos que rapidamente improvisou... Só num pequeno momento em que conviveu com eles...

Dona Filó escutava-o com serenidade... Porém... Nos seus olhos... Um misto de preocupação... Traduzido eficazmente pelo modo em que emitia expressões de desagrado...

Pedro abanou a cabeça em sinal de desalento...

- Olhe! – Atalhou... Abreviando a conversa... – O colégio está a atravessar momentos difíceis! A directora financeira vai-me chatear a cabeça! Já sei! – Anunciou... Sacudindo a mão... Em sinal de desagrado... – Mas não quero saber! Não vou abdicar de um professor tão motivado e competente!

Pedro pensou para si próprio: “Mas ela ainda nem me viu a trabalhar!”...

- Além disso... Preciso que exerça as funções de director pedagógico! Eu faço-lhe o contrato de trabalho!

Pedro sorriu... Emocionado com as suas palavras de entusiasmo... Dona Filó esticou-lhe a mão e o novo professor correspondeu... Em seguida... Confidenciou-lhe alguns dos problemas que a preocupavam... Como... As pressões da direcção regional... Os problemas financeiros... A má vontade de alguns funcionários... A necessidade de ter um director pedagógico... Que planificasse a intervenção pedagógica... A falta de um plano anual de actividades... De um regulamento interno... Do projecto educativo... O medo constante de uma inspecção que encerrasse a escola... Os horários dos alunos por fazer... Enfim... A mulher estava visivelmente angustiada...

Pedro disponibilizou-se a ajudar... Comprometendo-se em começar nessa mesma noite... Investigando legislação e começando a delinear as estratégias intermédias...

A directora ficou embevecida ao ouvir as suas palavras... Confidenciando-lhe que se sentia mais forte por saber que não estava sozinha...

No resto desse dia... Pedro esteve deliciosamente bem disposto... Combinou com Dona Filó estruturar os horários dos alunos numa semana... Durante esse tempo... Iria observar as capacidades dos mesmos... Organizando-os em grupos de nível... Consoante as suas necessidades... Começou a tirar apontamentos nesse mesmo dia...

António Pedro Santos

(Continua)...