A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando
XXIII
É certo que a escola parecia outra… Os alunos aparentavam uma motivação superior… Face ao galgo social que parecia consumir lentamente os restantes habitantes do planeta…
Pedro começou a reparar a guitarra… Engatou Luís… Roberto e Carlos… Pediu ajuda a Irene e Dora… Todos eles colaboraram... A viola foi desmanchada e feita em pedaços… Lentamente lixada e envernizada…
Os miúdos apuraram-se… O braço parecia outro… Completamente alisado e salteado por pequenas folhas de plantas na escala… No final… Ainda houve espaço para um pouco de criatividade da parte de Irene… Uma enorme flor… Colorida e exótica... A enaltecer o seu corpo… Outrora básico e sem brio… Agora vistoso e imponente... Finalmente… Pedro comprou umas cordas em bronze…
Foi numa aula de escolaridade… Com o grupo dos mais velhos… Que Pedro a afinou...
Naquele dia… Quinta-feira... Os alunos pareciam olhá-lo com atenção… Surpresos e algo expectantes com o que se iria passar a seguir... Entediados… Ouviram os primeiros acordes… Suaves e ao mesmo tempo estridentes… Um silêncio que se tornou absoluto… Como o de Ana… Que o olhava profundamente…
Carlos batia o pé e as palmas… Enquanto que Roberto estalava os dedos em alto som… Luís e Virgílio estavam siderados e estáticos… Como Teófilo que parecia verificar esta situação como nova...
Patrícia e Rosa... Admiravam-no ao longe… Tímidas... Por entre sorrisos e palavras baixas…
Ilda parecia paralisada… Reflectindo porém… Espasmos e pequenas estereotipias com o corpo…
Espectáculo teatral que os consumiu num todo… Numa absorção das ideias e da mente… Assistiam a uma aula diferente… Onde se trocaram as palavras e as frases… Por pequenos acordes e sons… Números para somar e de subtrair… Que agora se tornavam em autênticas operações… Não das numéricas… Mas das mais penetrantes da vida humana… O contacto e a comunicação… Feitos em música para os ouvidos… Que de inertes e incapazes… Passavam agora a florir…
Rapidamente lhe pediram canções… Apenas alguns… Dos mais afoitos… Das mais batidas e frequentes… A maioria bem pirosas… Mas Pedro também as conhecia… E quando não… Lá ia atrás deles…
O professor também estava surpreendido com tamanha importância... Quem diria... Que aquele simples instrumento… Teria tanta consequência junto dos jovens alunos que com ele se deparavam...
Aos poucos… Pedro experimentou este tipo de aula com os restantes alunos… Foi enriquecedor constatar que a música desempenhava um papel de extrema importância para o seu desenvolvimento físico e mental… Uma companhia que desinteressadamente os auxiliava no preenchimento de um ou mais espaços vazios...
Viu autistas a colaborar… Aos poucos… Observou alunos a comunicar com tom… Pronunciando eficazmente… Palavras que nem sempre saiam na perfeição... Exteriorizações corporais que tomavam corpos… Comunicação pura plena de um mundo para o outro… Desde os mais inibidos… Que agora fugiam das suas capas e corpos angustiados… De dentro para fora...
- Devíamos gravar um CD! – Sugeriu um dos alunos...
Um CD não… Mas… O professor lembrou-se de uma cassete... Seria uma boa oportunidade… Ou melhor… Uma óptima recordação…
António Pedro Santos
(Continua)...