A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando
XXV
A sala de estimulação global número um... Parecia estar a funcionar de outra forma...
Telma era auxiliada por Leontina... Isto… Quando não havia carrinha para conduzir... Assim como Rosa... Uma aluna remasterizada que se empenhava e evoluía de dia para dia... Numa acção integradora e verdadeiramente inclusiva…
Realizavam actividades de estimulação... Orientadas por Elisa e por Júlia... Todavia… E aos poucos... Pedro... Como trabalhava com os cinco elementos da sala... Um por dia em sessões de meia hora... Começou a meter-se também... Afinal... Era ele o director pedagógico da instituição... Para além disto... Tinha sido o principal impulsionador da separação dos alunos e consequente criação da nova sala...
Elisa desculpava-se imenso com a falta de preparação para lidar com aquele tipo de alunos...
O professor... Também não tinha essa preparação... Contudo... Lia bastante... Investigava e pesquisava informação...
Apetrechou a sala de estímulos diversos... Visuais... Sonoros e tácteis...
Construiu com os seus alunos mais velhos... Aqueles que beneficiavam da área vocacional interna de reparação e manutenção... Equipamentos que desafiavam constantemente os alunos...
Um pequeno espaço controlado onde os objectos diversificavam... Sonoros... Visuais e proprioceptivas... Pendurados e suspensos... Por cima e dos lados... Uma estrutura que parecia uma barraca... Feita de imensos materiais... Numa reciclagem de restos que agora se compunham e ganhavam forma…
Luís... Roberto... Virgílio e Carlos empenharam-se bastante... No final pareciam olhar para estes alunos multideficientes... De uma outra forma... Mais próximos e sensíveis...
Quer fosse... No refeitório ou no recreio... Onde... Se aproximavam destes e interagiam com eles... Falando e tocando nos seus corpos... Entorpecidos e amargurados... Pela patologia e elo ao estigma social…
Na barraca do exercício... Como carinhosamente Virgílio a baptizou... Proporcionavam-se oportunidades de exploração... Desenvolvia-se a interacção social...
Quanto ao novo professor… Facilmente conquistou a confiança e o reconhecimento de Telma... Que via nele alguém que sabia o que fazia... Preocupado com o espaço e com os alunos…
Pedro planificou semanas e dias inteiros... Actividades individuais e de grupo... Utilizando materiais diversos…
Manipular coisas... Reconhecê-las... Organizar espaços próprios para os alunos arrumarem objectos a usar ao longo do dia... De uma forma organizada e sequencial... De diferentes formatos e concepções... Na parede... Em caixas ou em pequenos livros...
Mais tarde... O professor descobriu que se chamavam calendários... Constituídos por símbolos organizados de forma estruturada… Representações de actividades a realizar... Instrumentos que simplesmente auxiliavam a criança a melhor entender o que fazer... Alguns de palavras... Outros de imagens ou objectos... Devidamente aferidos e adaptados às capacidades do aluno... Antecipando os acontecimentos e as actividades... No sentido de desenvolver o conhecimento... Face à sala e às tarefas... Dia a dia... Primeiro... Depois... Semanalmente e mensalmente...
Foi criado um caderninho... Que fazia a ligação entre a escola e o encarregado de educação... Devidamente identificado... Com fotos do aluno e os seus elementos principais... Necessidades e limitações... Historial clínico e actividades de que beneficiava...
Sucintamente escrevinhavam-se assuntos relacionados com o aluno em questão... Como tinha passado o dia... Que medicação tomou... O que comeu... Enfim... Reacções e comportamentos... Transportados de casa para a escola e vice versa... No sentido de promover uma intervenção concertada e continuada... Dos pais e dos técnicos…
Posteriormente… Pedro descobriu que este caderno simples e básico também tinha um nome e não tinha sido inventado por ele... Chamava-se passaporte para a comunicação...
De uma forma geral… E naquela sala… Procuraram estabelecer-se rotinas básicas... Perpetuou-se o treino e o hábito... Diariamente... Foram-se descobrindo as capacidades comunicativas... Visuais... Motoras e cognitivas…
Telma e Leontina... Rapidamente se entenderam com as propostas de Pedro... Júlia e Martinha também colaboraram... Carla também deu o seu contributo...
De um modo espontâneo... Combinaram-se em cafés ou intervalos... Acções dignas de reuniões gerais... Daquelas em que por vezes nada se faz ou se resolve... Delinearam-se competências a desenvolver e desenharam-se interacções... Com o propósito de elevar o nível das capacidades comunicativas e ampliar o número e a qualidade das interacções sociais…
Fizeram-se diversas observações e registos... Não dos que para nada interessam... Mas daqueles que ensinam a forma como a criança interage socialmente... Isto é... O modo como comunica os seus desejos... As suas necessidades...
Naturalmente... Muitas destas pessoas passaram a frequentar a sala com maior frequência... Arriscaram-se intervenções e experimentaram-se novas estratégias... Absorvidas pelo conhecimento... Empenhadas numa resolução que atenuasse de certa forma as limitações destes alunos... Que de crianças e jovens tinham muito pouco...
Numa das vezes... Pedro organizou um jogo diferente... Uma actividade de grupo... Com auxílio dos alunos mais velhos…
Colocaram-se três grandes alguidares no chão do recreio... Os alunos multideficientes em volta destes... Ajudados por Telma... Leontina e Rosa... Chapinharam na água... Com as mãos... Pés e até com o rosto... Explorando aquele meio estranho…
Os alunos mais velhos... Introduziram brinquedos e objectos manipuláveis no alguidar... Tentou-se que brincassem e descobrissem um pouco mais daquele ambiente... Alguns manipularam-nos e desfrutaram... Como Ruben... Que dessa vez não se agrediu e poucos gritos deu... Ou como Salvador que permaneceu demasiado excitado... Ou até Miguel... Que no seu silêncio... Interveio com o aparato…
Já Rafael e Bento... Mais limitados em termos motores... Foram ajudados a tocar... A explorar e a interagir com a água e com os objectos… Mão na mão... Mão no pé... No corpo...
Com uma esponja ensopada... Leontina… De bata apertada no peito e liberta dos chinelos… Ajoelhada no chão... Acariciava os alunos com ternura... Passando-a no rosto dos mesmos... Nas mãos e nos pés…
Num gesto de magia sensual... Contemplando Pedro com um sorriso doce... Boca carnuda de lábios grandes... Olhar pintado e profundo... Num desenho de caracóis alourados que enfeitavam lindamente a sua cabeça... Seduzindo a sua mente e o seu corpo... Com a frieza de alguém que quer demais…
O professor desejou-a ali mesmo...
Por outro lado... A actividade foi positiva... Os alunos pareceram sorrir... Como se quisessem falar ou comunicar algo... E no fundo... Estavam a fazê-lo...
António Pedro Sasntos
(Continua)...