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educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando

XXXI

Nos períodos da escolaridade… Na parte da manhã… O professor passou a apostar na diferença… Realizando actividades de carácter divergente e inovador daquilo que… Supostamente seria um currículo normal… Isto porque… De facto… Não havia muita esperança de transformar academicamente… Aqueles alunos problemáticos em seres assim tão evoluídos… Pelo menos… De grau superior…

Uma delas foi… Seguramente… Privilegiar as saídas do colégio… Passear na rua… Conhecer novas pessoas… Invadir as artérias do quotidiano comum… Costumeiro e banal… Com um pouco de disparidade… Talvez… Rumo a uma inclusão… Consertada e quem sabe… Mais eficaz… Com o recurso ao choque violento… A fim de conseguir uma mudança radical de mentalidades… Abruptas e anacrónicas...

Numa manhã de sol… Pedro realizou a chamada… Contudo… Já antes… Samuel o havia informado de que ninguém faltava… Enquanto isso… Ramos preencheu o boletim meteorológico…. E Bebé preparava paulatinamente a sua mesa de trabalho…

Quando os alunos já estavam a postos… O professor comunicou:

- Hoje vamos fazer uma coisa diferente!... Vamos ver o rio!...

Imediatamente… Conseguiu visualizar-se o contentamento de alguns… Ainda assim… Sobressaía a ausência de outros… Como por exemplo… Cristina… Que repetindo as suas vocalizações estranhas… Parecia completamente alheada da novidade…

Rapidamente formou-se uma fila na porta… Dois a dois… Ordenados e afortunados…

Carrapito e Filipe… Ramos e Samuel… Cristina e Bebé… E lá foram a caminho do rio…

- Onde vão? – Perguntou Luz… Que se havia cruzado com estes…

- Vamos ver o rio! – Exclamou Ramos com a voz fanhosa… Aproveitando… Ainda assim… Para a beijar no rosto…

- Estás boa Cristina? – Questionou a adulta… Verificando que esta ficara para trás… Contemplando a cena do beijo…

- Vamos Cristina! Junta-te aos teus colegas! – Ordenou o professor…

Rapidamente… Cristina avançou a trote… Dizendo:

- Boa! Tou Boa!… Rum… Rum…

E lá foi… Repetindo… Desorganizadamente… Perguntas e respostas:

- Tás boa Cristina?... Estou!... Rum… Rum… Vais passear?... Vou!... Rum… Rum… Claro que vou!...

- Não quero ninguém de mão dada! – Avisou Pedro… - Quero que andem acompanhados! Ao lado uns dos outros!

Nesse instante… Passou Elisa… Mais uma vez atrasada… Lamentando-se do trânsito infernal… Ainda que… Ninguém lhe perguntasse… Mesmo assim… Houve tempo para que os olhasse com desdém… Ou curiosidade… Mas… Pedro ignorou-a por completo…

Pelo caminho… Atravessaram passadeiras… Caminharam em passeios… Cruzaram estradas e obedeceram a semáforos… Guiados somente… Pelo desejo de ver o rio…

Quando chegaram ao destino… Pedro abeirou-se da margem e descalçou-se... Incentivando os alunos a fazer o mesmo...

Apenas Ramos o fez… De imediato e sem qualquer problema… Depois seguiu-se Bebé… Ainda que com maior dificuldade…

Para os convencer… O professor avançou para a água…

- Arregacem as calças! – Disse… - Vamos só molhar os pés!

Claro que… Pedro teve de auxiliar alguns dos alunos… Quer a descalçar… Quer a arregaçar as calças…. Como Cristina ou Carrapito…

- Temos de mudar isto! – Informou… Olhando-a com cara séria… - Tens de aprender a fazer isto sozinha!

Olhando-o nos olhos… Cristina respondeu… Quase em jeito de questão:

- Temos?... Rum… Rum… Ouviste Cristina?... Tens de fazer isto! Sozinha!

Já Carrapito… Virou o rosto para o lado… Evitando encarar de frente o professor...

A estranheza de caminharem descalços… No pequeno areal sujo… Misturado com escassos paralelepípedos… Experimentava neles sensações distintas… Enfim… A magia das impressões… Repleta na magia do rio… Imensamente vivo…

Receosamente… Caminharam atrás do professor… Com cuidado… De um lado para o outro…

Bebé segurava as calças do fato de treino com sentido e deslocava-se com bastante cuidado… Apalpando com os pés o novo piso…

Cristina permanecia imóvel… Só e abandonada… Paralisada e com receio em avançar… Aguardando instruções… Ou somente por um contacto… Pedro auxiliou-a... Tocando-a...

Já Carrapito… Avançava… Com a mão esquerda enfiada na boca e a outra puxando Filipe… Dizendo repetidamente:

- Vamos! Despacha-te! Atrás do professor!...

Filipe lá ia… Parecendo desfrutar daquele tacto e reparo… De um jeito redobrado quase constante da parte deste seu colega e amigo…

Samuel levantava as pernas com cautela e brandura… Enquanto que Ramos… Experimentava também as mãos…

O professor convidou-os a cheirar a água… Colocá-la nos lábios e mexer nela com as mãos... Tocar no fundo… Trazer areia para cima… Apanhar pedras… Ou simplesmente atirar água ao ar… Nessa altura… Lembrou-se de dizer:

- Não se molhem!...

Enfim… Já foi tarde demais… Mas... Mesmo assim sorriu e pediu-lhes que observassem as gaivotas e visualizassem peixes…

- Eu vi um! – Gritou efusivamente Carrapito… Agitando Filipe… - Viste Filipe? Viste?

Mas este… Rodando a cabeça… Parecia mais entretido com os barcos que por ali passavam… Traineiras ou simplesmente embarcações de recreio…

Pedro pediu-lhes que contassem os barcos… Ou melhor… Que tentassem… Contabilizar as poucas embarcações de pescadores que ainda restavam de uma arte... Ou indústria… Completamente assassinada… Quem sabe... Se pela Europa globalizada... Ou melhor... Monopolizada...

Ficaram por lá algum tempo… E de uma forma geral… Divertiram-se…

No regresso à escola… Os sorrisos eram evidentes e as expressões pareciam revolucionadas de uma nova vivacidade… Pelo caminho… Jornadearam molhados… Calças arregaçadas… E contentes… Sobretudo satisfeitos… Aos olhares de todos os transeuntes que passavam… Que paravam e olhavam a diferença... Ainda com algum pudor… Ou complexo…

Nesse dia… Tomaram banho nos balneários da escola… Pedro pediu ajuda a Júlia… Que de imediato se prontificou a auxilia-lo com as duas alunas…

Arranjaram-se toalhas… Champôs e gel de banho…

No final… A psicóloga assegurou que o banho das duas raparigas tinha corrido bem… Já o masculino… Foi uma animação… Os alunos despiram-se de preconceitos e lavaram-se… O professor orientou-os para que se lavassem bem… Isto… Ao constatar que estes nem sequer o sabiam fazer com correcção ou preceito…

A partir desse dia… O banho passou a ser uma rotina… Pelo menos para aqueles que apresentavam problemas de higiene… E infelizmente… Eram a maioria…

Criaram-se mapas e tabelas… Luz ajudou… Júlia a até Bela… Pedro supervisionava quase todos… Convidando-os e convencendo-os para os benefícios do banho… Junto do sexo oposto… Dos colegas… Funcionários e sociedade… Como melhoria efectiva da autonomia pessoal e até da auto estima…

Pedro até fez um desenho… Devidamente plastificado… Que se colocou nos dois balneários…. Com todos os passos e procedimentos… Desde a lavagem… Da cabeça aos pés… Gel de banho… Secagem… Enfim… Para melhor os auxiliar nessa tarefa...

Com o tempo… Estendeu-se a actividade às duas salas de estimulação global… Foi difícil… Mas Pedro conseguiu-o… Afinal… Estava determinado em mudar… Ou pelo menos… Contribuir para a mudança…

O professor ainda voltou ao rio… Levou outros grupos de alunos e até chegaram a levar materiais desportivos… Fizeram brincadeiras e jogos… Contudo… A experiência deste dia foi única… Talvez por ter sido a primeira… Afinal… Os rios comportam uma elevada carga… Capaz de modificar pessoas… Ou talvez… Disfarça-las… Desde as emoções aos comportamentos…

Enfim… A magia de modificar rostos… Empobrecidos e penalizados… Integrantes sem incorporação… Fruto de uma sociedade obsoleta… Ultrapassada... Mas presente e realmente segregadora… A necessitar de uma urgente transformação… De uma inadiável lavagem… Quem sabe… Com a genuinidade… Pureza e elegância da água de um rio…

António Pedro Santos

(Continua)...