A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando
XXXIV
O colégio estava construído no centro de uma velha cidade... A sua edificação era oitocentista... Ou talvez... Do inicio do século XX... Como tal... Havia muito pouco espaço verde... Ou melhor... Nenhum... O ambiente era demasiado cinzento e eram frequentes as paredes velhas e sujas... Uma brancura deslavada e vã... Que preocupava Pedro...
O professor falou com as colegas das oficinas... Dora e Irene... Que gostaram da ideia de as pintar... Contudo... Haviam poucas tintas disponíveis... Tinham branco... Verde... Azul e rosa... Vermelho e mais algumas... Todavia... As quantidades não chegavam para fazer uma pintura decente... Pelo menos... Para as paredes interiores que se voltavam para o pátio da escola...
Irene lembrou-se de pintar as paredes às cores e até idealizou alguns perfis e pormenores... Como... Flores e crianças... Arco-íris e até um sol... Enfim... O projecto ficou à responsabilidade desta...
Pedro falou com Dona Filó... Que apenas respondeu... Com o seu ar sobranceiro:
- Confio no professor para limpar a imagem deste colégio!
Assim foi... Deitaram mãos à obra...
Os alunos que beneficiavam da área vocacional interna de reparação e manutenção... Começaram por colocar plásticos e cartões no chão... Junto às paredes a intervencionar...
De roupas velhas... Que sempre se arranjavam... E chapéus... Com luvas... Que Pedro continuava a desviar na bomba de gasolina... Lá iniciaram a obra...
Rolos e pincéis... Enchiam de cor as marcações realizadas por Irene e Dora... Luís também fez algumas...
Afinal... A pintura... Como arte genérica e comum... De aplicação de um pigmento liquido... Colorindo áreas e superfícies... Enchendo-as de cor e de encantamento... Em papeis... Telas ou paredes... Em matérias e materiais... Pintura de mural... Frescos...
Sintéticas e Celulosas... Cubismo... Impressionismo... Abstracção... Loucura poética e devaneio puro... Para lá das paredes e muros... De desenhos húmidos e secos... Quentes e frios... Pitorescos e reais...
Pedro também ajudou... Canalizando para o projecto os alunos que passavam por si... Aliás... Durante essa semana... A maioria das actividades lectivas não aconteceram... Havia necessidade de agilizar o processo... Só assim seria possível despachar tudo rapidamente...
Mário e Roberto... Luís... Carlos e Virgílio... João... Ronaldo e até Bruninho... Tiveram um papel de extrema importância no desenvolvimento e implementação do empreendimento... Bem como Ilda... Angela e Patrícia... Ana... Rosa e Claudia...
Os restantes... Colaboraram como puderam... Retocando alguns pormenores... Fazendo lanches... Carregando latas... Baldes e água... Pintando com auxilio... E mais... Muito mais...
Afinal... As actividades lectivas foram outras... Mas aconteceram... Numa promoção das práticas educativas... Mais próximas da normalidade... Ainda que... Com deficiência...
Um exercício de cooperação... De vivência e de autonomia.. Um ensaio de criatividade... O ser capaz em detrimento de incapaz... Crescer forte e com vida... Mesmo com limitações...
No final da obra... Houve tempo para algum silêncio e constatação... Por parte dos alunos e funcionários...
Pedro reuniu-os em grupo e falou-lhes... Elogiando o trabalho à minúcia:
- Hoje estou demasiado orgulhoso de vocês! – Exclamou... – Provaram ser capazes!... Reparem que desenharam portas e janelas nas paredes... Algumas árvores... Pessoas e bolas... Parece que estamos na rua!
- A bola fui eu que pintei! – Gritou Roberto... Complementando a sua intervenção com um enorme e despropositado salto... – Sozinho! Não foi Irene? – Indagou... Olhando-a... Como que esperando por aprovação...
Todos riram e Pedro continuou:
- Desenharam flores... Nuvens e até um sol! Estão de parabéns! – Afirmou...
Uma grande ovação invadiu aquele espaço... Um ruído ensurdecedor contagiou o local... Com mística e valor... Palmas para todos... Porque ali... Provaram ser úteis e iguais aos demais... Aos ditos normais... Conseguindo colaborar em grupo... Em equipa... Num projecto comum... Numa obra única e permanente... Para a posteridade... Um projecto de remodelação de um edifício velho e devoluto... Ao qual deram uma nova cor...
Isto porque... Na pintura... Com todo o fundamento da cor... Massas coloridas em estruturas básicas... Que de altivas e fortes... Obras de arte se tornam... Para espectadores atentos ou banais... Desfrutando de calor e frio... Proximidade e profundidade... Luz e sombra... Relações de história... De arte... De imagem e de base... Abafam a deficiência... O estereótipo e o preconceito...
António Pedro Santos
(Continua)...