A braços com a Loucura. Ou melhor... Ensaiando
LXV
A verdade é que depois disto pouco restou àquela escola... Aos poucos e lentamente as coisas foram-se deteriorando...
A falta de financiamento do Estado conduziu a instituição à ruína... Com o tempo... O dinheiro foi escasseando e os ordenados foram-se atrasando... Cada vez mais...
Dona Filó esmerou-se para suportar a situação... Vendendo alguns dos bens que possuía... Ainda assim... Não chegou e a banca rota aconteceu...
Dora foi a primeira a sair... E atrás dela... Mais algumas se seguiram... Afinal... Haviam filhos... Famílias e contas para pagar...
Júlia foi trabalhar para a segurança social... Luz foi para um hospital... Bela teve um problema respiratório que passou a ser crónico... Tendo de recorrer à ventilação para simplesmente... Levar oxigénio para os pulmões...
Preta chegou quase a um estado de miséria... Sem dinheiro sequer para comer... Beneficiando mais tarde... Da atenção de uma instituição que sinalizou a sua situação e a referenciou para um rendimento qualquer...
Irene foi para uma agência ligada ao ramo imobiliário... As restantes foram para lojas e algumas passaram a exercer funções como caixas de supermercado...
Elisa deixou de leccionar... Não se sabe ao certo o que faz... Diz a má língua que casou bem...
Dona Filó não aguentou e entrou numa depressão profunda... Ficou quase sem nada... Curiosamente... Não teve apoio de ninguém... Nem sequer da família...
Por entre comportamentos estranhos e comprimidos... Acabou por falecer... Morreu sozinha... O seu funeral foi custeado pela segurança social...
Leontina foi a grande surpresa... Ou não... Juntou-se com alguns pais e criou uma associação... Uma espécie de CAO... Centro de actividades ocupacionais... Destinada a apoiar jovens com deficiência que carecem de atendimento... Ou apoio... Quer fosse do ministério da educação ou segurança social... Uma resposta para jovens e adultos com deficiência mental... No sentido de desenvolver e manter a sua autonomia... Fomentar o equilíbrio emocional... Melhorar a qualidade de vida... Promover a sua integração na sociedade e alimentar a afectividade nas suas relações...
Ainda passam por muitas dificuldades... Angariam dinheiro e recolhem apoios para fazer funcionar a associação... São poucos... Mas são fortes... Trabalham quase de graça... Porém fazem um serviço público... Que deveria... Mas não é... Assumido pelo estado...
Os utentes... É assim que lhes chamam... Beneficiam de treino da autonomia pessoal e social... Cognição... Actividades da vida diária... Inclusivas... Artísticas e de lazer... Terapia ocupacional... Fisioterapia e até... Musicoterapia... Enfim... Todas as possíveis e necessárias à manutenção de uma condição de vida aceitável e digna...
Estão lá o Bruninho.. O Teófilo e o João... O Ramos... A Sónia e a Bebé...
Foi num almoço de beneficência... Organizado com vista a angariar fundos e promover um dia diferente a estes jovens.. Que hoje são adultos... Contudo... Diferentes e excepcionais...
Meninos doces que se extraviaram sem querer... Por erros crassos na sua concepção... Durante o parto... Após... Ou até geneticamente... Prejudicados pela consanguinidade bruta... De parentesco disforme... Que agoniza e disforma... Quem quer e não quer... Quem julga ser e não é... Em mutação ou translocação... Ainda que... Se eduque ou reeduque... Domesticando... Ensinando e treinando... Almas e corpos de seres... Quentes e frios... Secos e molhados... Entediados e translúcidos... Na loucura de quem sabe ao que vem... Na presença de quem desconhece e na ignorância de quem os olha e ignora... Fingindo não ver...
Nesse almoço... Pedro apareceu sem combinar... Os seus antigos alunos deliraram com a sua presença... E todos o conheceram... Ainda que mais velhos... Pelo passar dos anos... E mais lerdos... Pela falta de estimulo e regressão natural...
Único... Foi a troca de olhares entre o professor e Sónia... Um cruzamento de emoções... Num misto de saudade e amor... Como se o tempo não tivesse passado... Como se os dias de hoje... Não existissem e apenas fossem os de ontem... Num mar de tempo... Que não se resume somente a horas e minutos... Acções e atitudes... Momentos ou assombros... Despistes e ilusões...
Sónia correu para os seus braços e gritou:
- Popêeeeeeeeeeeeeee!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!...............................
Pedro continua a dar aulas... Com menos a alma... Mais com o corpo...
Dedicado a todos os que se cruzaram... Cruzam e cruzarão comigo...
Assim como... A todos aqueles que nasceram diferentes... Isto é... TODOS!
António Pedro Santos
2015