Entrevista - Associação Portuguesa de Síndrome de Asperger
Com Maria da Piedade Líbano Monteiro
Presidente da Direção da APSA
EDUCAÇÃO DIFERENTE - Porquê a criação da APSA?
APSA - A APSA foi criada para sensibilizar, explicar o que é a Sindrome de Asperger (SA). Esta ação permite-nos ajudar na inclusão das pessoas com SA na sociedade. Importa informar o que é a SA - É uma perturbação do Espetro do Autismo na qual não há défice cognitivo, e que se manifesta sobretudo, por dificuldades em três grandes áreas: Interação Social, Comunicação e Comportamento.
EDUCAÇÃO DIFERENTE - Qual é a principal missão da APSA?
APSA - A nossa Missão é promover o apoio e a integração das Pessoas com SA na sociedade, favorecendo as condições e capacitando-as para uma vida autónoma e digna.
EDUCAÇÃO DIFERENTE - Qual é o seu âmbito de intervenção e que tipo de actividades desenvolvem?
APSA - Somos uma Associação de âmbito nacional, apoiamos as pessoas com SA, as famílias e todos os que com eles convivem e necessitam de alguma informação e ajuda na forma como lidar com elas.
Atuamos ao nível do apoio à comunidade escolar através de ações de sensibilização, a que chamamos Projeto Gaivota, mas também a nível familiar, e em todas as atividades que estas pessoas estejam envolvidas e que necessitam seguramente de algum apoio.
EDUCAÇÃO DIFERENTE - Quais são as maiores dificuldades e necessidades da APSA?
APSA - As maiores dificuldades que a APSA sente são em primeiro lugar o facto de representarmos uma minoria, em relação a outras deficiências, em segundo lugar, a SA “ Não está na Cara”, não é visível, é comportamental o que logo representa uma grande dificuldade pois quando nos deparamos com estas pessoas e com os seus comportamentos muitas vezes bizarros, não entendemos se se trata de falta de educação, ou se de fato é algo estrutural daquela pessoa. Por isso assentamos a nossa ação na sensibilização e divulgação e explicação.
Outras preocupações prendem-se com a sustentabilidade financeira, pois os apoios que recebemos da Segurança Social representam cerca de 23% da nossa receita, juntamente com Receitas das famílias que apoiamos, e o restante é sempre conseguido através de um enorme esforço de angariação da nossa parte.
EDUCAÇÃO DIFERENTE - Quais são as suas principais preocupações (da APSA) relativamente aos direitos e condições das pessoas com Síndrome de Asperger em Portugal?
APSA - Continua a ser a falta de informação e principalmente de formação dos profissionais de saúde e de educação. A primeira leva a um diagnóstico tardio, e uma tardia e deficiente informação aos pais sobre este assunto, a segunda leva a uma enorme dificuldade de integração destas pessoas na comunidade escolar, e quando mal acompanhadas e incompreendidas leva sem dúvida ao insucesso escolar.
O que dificulta e atrasa o desenvolvimento destas crianças/jovens fazendo perder uma boa parte do seu potencial. Também é difícil desde cedo fazer valer os seus direitos e deveres uma vez que quando finalmente se identifica o problema, já existe uma história de perturbação familiar, angústia, ansiedade, que nada ajuda na formação destas crianças e jovens. Por outro lado existe muita desinformação sobre o assunto e também a informação que existe muitas vezes não é devidamente utilizada.
Penso que é cultural esta atitude das famílias, que muitas vezes protelam, o ir “procurar” efetivamente o que se passa com o seu filho. Não é fácil assumir a diferença, mas ela não é um drama. Esta é a verdade, e quanto mais cedo atuarmos melhor para todos, especialmente para as pessoas com SA.
EDUCAÇÃO DIFERENTE - Como vê a inclusão e a integração das pessoas com Síndrome de Asperger em Portugal?
APSA - Claro que ao dia de hoje estes conceitos de inclusão e integração fazem parte da nossa vida, são conceitos sobejamente acolhidos, divulgados e maioritariamente postos em prática. Muito, mas muito foi feito neste campo. Sinto no entanto que poderíamos estar noutro patamar, mais adiante, onde de facto fossem geograficamente e transversalmente uniformes estes conceitos, mas ainda não é assim. Na minha perspectiva não há razão para tal acontecer. As pessoas, principalmente a comunidade escolar, não estão preparadas para acolher e entender estes alunos. Não têm formação, não têm recursos técnicos, não têm recursos financeiros, mas pior do que tudo isto é que muitas vezes nem conseguem identificar o que falta, o que necessitam. Existe uma grande falha na coordenação dos apoios a nível escolar e também uma má gestão de recursos financeiros e humanos, muitas vezes existem demais num sitio onde não são necessários e faltam onde são essenciais. É minha convicção de que esta gestão deveria ser feita a nível autárquico, fazendo um levantamento real dos recursos que existem na própria comunidade, e que possam ser um instrumento na vida destas comunidades escolares, refiro-me aos centros de saúde, às associações de pais e de doentes que podem e devem interagir com toda a comunidade. É urgente criar uma rede de suporte - Escola/Família/Comunidade.
Outra agravante , para a qual a APSA muito tem trabalhado, sendo hoje em dia parte integrante do nosso trabalho, é o facto da escola não preparar os jovens para a sua vida adulta e ativa. Depois da escolaridade obrigatória existe um fosso, que pára o processo de formação. Acaba a escola e não existe a ponte para a continuação de estudos, cursos profissionais, vida ativa emprego, nada. Tudo fica suspenso.
A escola tem por função juntamente com o jovem, a família e a comunidade preparar estes jovens para seguirem em frente sem compasso de espera.
Interromper o processo de aprendizagem e formação destas pessoas com SA, ou outras, é retroceder num processo, onde escola, família e o próprio Estado investiu.
Não queremos pessoas subsidio dependentes, queremos cidadãos ativos, e isso garantidamente os nossos jovens conseguem sê-lo. Continua a faltar a tal Rede entre escola e comunidade. Sinto no entanto uma grande abertura a nível geral, quando conseguimos transmitir este processo e como é que ele se faz, explicando sempre a necessidade de existir um suporte técnico que o acompanhe. Isto dá-me muita esperança para o futuro.
EDUCAÇÃO DIFERENTE - Qual é o papel da sensibilização para uma sociedade mais inclusiva?
APSA - É fundamental e é esta a Missão da APSA, de sensibilização e explicação desta condição, pois só explicando de forma simples, prática e muito positiva, realçando o que realmente estas pessoas têm de positivo e produtivo, e acreditem que é muito, poderemos construir uma sociedade mais inclusiva.
A APSA desenvolve este processo, através do Projeto Gaivota, de seminários, palestras, tradução de livros e artigos de interesse, ligação ao sector da investigação no sentido de apurar o que de novo acontece nesta área, ações de apoio à família e à comunidade em geral.
Se a sociedade perceber que cabe a cada um de nós dar oportunidade a estas pessoas de se revelarem, será sem dúvida mais fácil construir uma sociedade inclusiva. E acreditem que somos nós , os que vivemos de acordo com o padrão, que temos muito a ganhar e aprender.
EDUCAÇÃO DIFERENTE - Onde ou como gostaria de ver a APSA daqui a 20 anos? Isto é, qual é ou quais são as grandes ambições a longo prazo?
APSA - Gostaria que a APSA fosse uma referência Nacional transversal na nossa sociedade, na forma como devemos acolher estas pessoas na nossa vida em sociedade. Agindo sempre como facilitadores para tornar a vida destas pessoas exatamente igual à de qualquer um de nós, sem acentuar as diferenças. Gostaria que a APSA fosse uma referencia Nacional, para todas as famílias que têm no seu seio estes filhos, familiares, por forma a terem sempre um porto de abrigo, onde possam recorrer, sem se sentirem estranhas, desprotegidas ou sozinhas.
Gostaria que a APSA fosse uma referência Nacional no apoio às empresas que querem aceitar e abraçar este desafio de integrar profissionalmente estas pessoas com SA, sendo uma consultora especializada na mediação e na capacitação que as empresas necessariamente precisam ter para receber esta nossa população.
EDUCAÇÃO DIFERENTE - Gostaria de deixar alguma mensagem à sociedade?
APSA - Hoje, exatamente num momento em que nos pedem recolhimento, pelo COVID-19, e que tanto nos custa, uma vez que a vida social é para nós crucial... pedem-nos o oposto... vejamos o outro lado... às pessoas com SA, pedimos um imenso envolvimento social para que possam ser Aceites por nós!... a Vida é engraçada! Talvez depois disto sejamos levados a compreender o esforço que eles fazem, através do esforço que nós fazemos agora!
A mensagem que deixo é a de que seria bom aproveitar este tempo de paragem repentina para reformularmos a nossa vida as nossas prioridades, para dar o salto , na forma como nos vemos, como aceitamos o outro, a forma como ensinamos e educamos , fazer valer as novas tecnologias, afinal estamos no século XXI.
É urgente fazer a Diferença na forma como nos adaptamos não só a uma nova forma de vida mas principalmente como nos adaptamos e respeitamos uns aos outros, porque será sempre muito mais o que nos Une, do que as diferenças que nos Separam, e é sem dúvida na diversidade e pela diversidade que nós nos completamos e crescemos como pessoas!