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educação diferente

EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

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EDUCAÇÃO, SOCIEDADE E DEFICIÊNCIA

Estratégias de enfrentamento de mães com filhos autistas

1 INTRODUÇÃO

O autismo é uma deficiência que envolve dificuldades nas interações sociais, comunicação e comportamentos repetitivos, e esses aspectos podem causar impactos e uma sobrecarga emocional que passa a ser vivenciada por toda família, sobretudo, para a mãe que detém os principais cuidados com o filho (FÁVERO, 2005).

Smeha e Cezar (2011) indicam que a chegada de um novo membro na família é sempre acompanhada por expectativas por partes dos pais, que almejam que seu filho seja perfeito e saudável. Quando a família se depara com a notícia de que a criança idealizada é autista, as expectativas criadas se abalam. Os pais tomam ciência de que o filho tão sonhado não poderá corresponder às expectativas e anseios criados em torno da mesma e sabem que, dali por diante, a dinâmica de suas vidas serão modificada. Logo então, emerge a necessidade de desenvolver estratégias de enfrentamento para lidar com as novas circunstâncias.

Diante disso este trabalho teve como principal finalidade discorrer sobre as estratégias de enfrentamento utilizadas pelas mães frente às dificuldades que emergem do cuidado com o filho autista. Para atingir o objetivo deste estudo fez-se necessário primeiramente entender o Transtorno do Espectro Autista (TEA), posteriormente buscou identificar as principais dificuldades e impactos sofridos por essas mães que vivenciam esse contexto, verificando também os recursos pessoais existentes nessas mães, na qual possibilite a promoção de estratégias de enfrentamento, abrangendo o apoio social, financeiro e emocional recebido, compreendendo a rede de apoio familiar e social como fatores importantes no enfrentamento das dificuldades cotidianas.

Cabe apontar que o interesse por essa temática surgiu a partir do contato com informações envolvendo conteúdos relacionados ao tema, sendo possível perceber que lidar com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) requer habilidades especificas, que por vezes são desconhecidas por essas mães que estão inseridas nesse contexto e tendo em vista que é um tema bastante atual e por hora pouco conhecido.

E percebendo a mãe como a principal figura de referência da criança, cabe ouvi-la e realizar estudos que possam capacita-la a lidar da melhor maneira possível com seus filhos que tenham essa especificidade. Diante disso pretende-se compreender quais são as estratégias utilizadas para o enfrentamento das dificuldades surgidas. Sugerindo que o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento é um fator facilitador no cuidado dos filhos autistas.

Com o intuito também de contribuir para estudos em psicologia, pois a partir dos seus resultados será possível verificar quais estratégias são mais utilizadas e se são eficazes, possibilitando um melhor conforto emocional e resolução dos problemas decorrentes da convivência e necessidade de cuidado ao individuo com TEA.

 

2 BREVE HISTÓRICO DO AUTISMO

Vários estudos sobre o autismo vêm sendo desenvolvidos e na tentativa de conceitua-lo, ao longo do tempo, a terminologia sofreu evoluções. Esse termo foi mencionado pela primeira vez na literatura em 1911 por Bleuler, para nomear a perda de contato com a realidade, o que ocasionava uma grande dificuldade ou inabilidade de comunicação (GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004).

Em 1943 o termo autismo foi mencionado pelo médico austríaco, chamado Léo Kanner, em seu artigo publicado e intitulado de “os transtornos autistas do contato afetivo”, no qual descreve o caso de onze crianças que apresentavam em comum um extremo isolamento, tendo dificuldades em estabelecer relações com pessoas e situações, nomeando-as de autistas (MELLO, 2007; GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004). 

Logo em seguida, no ano de 1944, Hans Asperger, descreve um artigo intitulado Psicopatologia Autística da Infância, caracterizando crianças com comportamentos bastante semelhantes às descritas por Kanner. Contudo apesar de terem caracteristicas semelhantes ao autismo, relacionado às dificuldades de comunicação social, as crianças apresentavam inteligência normal (MELLO, 2007; GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004). Sendo pertinente salientar que Asperger atentava-se para o aspecto educacional, aspecto esse que Kanner não se preocupava, havendo também diferenças entre as crianças observadas por Kanner e Asperger, no que diz respeito ao desenvolvimento da comunicação e linguagem. E com isso, distinguiu-se o autismo do transtorno de Asperger (FILHO; CUNHA, 2010). Atualmente atribui-se tanto a Kanner como a Asperger a identificação do autismo, sendo ambos importantes na descoberta desse transtorno.

Na década de 60, o autismo foi visto com um transtorno emocional ou cerebral, presente desde a infância, causado pela impossibilidade de mães e/ou pais oferecerem afetos durante a criação da criança. Hipótese levantada só pela descrição de casos, sem haver nenhuma comprovação empírica. Com isso a mesma foi descartada, pois outros estudos identificaram que não havia diferença significativa, entre a afetividade de pais de crianças autistas e de crianças não autistas (KLIN, 2006; FILHO; CUNHA, 2010).

É valido ressaltar que a partir da descrição de Kanner vários estudos quanto à identificação de diferentes etiologias, epidemiologia, classificação, graus de severidade e das características específicas do autismo, têm contribuído para a compreensão dos aspectos biológicos dos Transtornos do Espectro Autista (TEA) (KLIN, 2006; SCHMIDT; DELL’AGLIO; BOSA, 2007).

Até 1980 o autismo era considerado como esquizofrenia. Devido aos diversos estudos no campo desse transtorno, fez com que nesse mesmo ano o autismo fosse colocado em uma nova classe. Ficando caracterizado como Transtorno Invasivo do Desenvolvimento (TID). Sendo esse termo escolhido para representar o fato de que diversas áreas de funcionamento são afetadas no autismo (GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004; KLIN, 2006).

A nomenclatura TID ganhou raízes e também foi utilizado pela classificação internacional de doenças CID-10, na qual classificou o autismo como um grupo de transtornos caracterizados por alterações qualitativas das interações sociais recíprocas, dificuldades de comunicação e por um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo (OMS, 1993).

No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV-TR) o transtorno autista já é descrito como o Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD) abarcando cinco categorias diagnósticas: Transtorno Autista, o Transtorno de Rett, Transtorno Desintegrativo da Infância, Transtorno de Asperger e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento sem outra Especificação. Estes transtornos caracterizam-se pelo comprometimento severo e invasivo em áreas do desenvolvimento: Prejuízo da habilidade social, prejuízo no uso de comportamentos não-verbais, dificuldades na interação social , alterações na linguagem e alterações de comportamento. Sendo que esses transtornos se apresentam de forma diferente, cada um tendo diagnóstico único, tendo semelhança apenas nas funções do desenvolvimento que são afetadas qualitativamente (APA, 2002).

O conceito e os critérios mais atuais para a definição do autismo é feita pelo DSM-V. Esses transtornos mencionados acima e que são encontrados na versão do DSM-IV deixaram de ser vistos isoladamente, com exceção da Síndrome de Rett; eles foram inclusos no diagnóstico do TEA. Os sintomas do TEA representarão prejuízos que vão de leve a grave nos domínios de comunicação social e de comportamentos restritivos e repetitivos, ao invés de se constituir transtornos distintos. Mudança feita para contribuir na melhora dos critérios diagnósticos e identificação de tratamentos mais focados para os prejuízos identificados (APA, 2013).

No DSM-V o TEA é classificado como um Transtorno do Neurodesenvolvimento. De acordo com Mello (2007), as causas do autismo ainda são desconhecidas. Sugere-se algumas hipóteses, em que sua origem possa estar em alguma parte anormal do cérebro; contudo ainda não foi definido. Pode ter base genética ligada ao cromossomo X, o que tornaria os homens mais propensos ao TEA, porém os dados não são conclusivos. Estima-se que 15% dos casos parecem estar associados a uma mutação genética e que de 37% até mais de 90% representa herdabilidade. Ainda pode estar relacionado com problemas ocorridos durante a gravidez ou no momento do parto e também com fatores ambientais que podem ser descritos como: a idade avançada dos pais, baixo peso ao nascer ou exposição fetal ao ácido valpróico (agente antiepiléptico) (APA, 2013; KLIN, 2006).

Para possível diagnóstico se faz necessário está presente Déficits persistentes na comunicação social e na interação social em diversos contextos, podendo ser descritos como: dificuldades para estabelecer uma conversa normal, compartilhamento reduzidos de interesses, emoções ou afetos, dificuldades nos comportamentos comunicativos não verbais, dificuldade de desenvolver, manter e compreender relacionamentos com seus pares apropriados ao seu nível de desenvolvimento (APA, 2013).

Ainda de acordo com o DSM-V (APA, 2013) padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades: movimentos motores, estereotipias ou comportamentos verbais estereotipados ou comportamento sensorial incomum, insistência nas mesmas coisas, aderência a rotinas e padrões de comportamentos ritualizados, interesses restritos, hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais. É importante ressaltar que para ser diagnosticado o sujeito precisa apresentar sintomas que se manifestem precocemente, e esses devem comprometer o indivíduo nas funções da sua vida cotidiana. A gravidade do diagnóstico baseia-se em prejuízo na comunicação social e nos comportamentos fixos ou repetitivos.

O DSM-V (APA, 2013) ainda indica algumas características que também contribuem para o diagnóstico, que é a presença de comprometimento intelectual e/ou da linguagem, pois muitos indivíduos com TEA apresentam. Até mesmo os que revelam inteligência média ou alta, possuem algumas inabilidades.

O TEA é diagnosticado apenas quando os déficits característicos de comunicação social são seguidos por comportamentos excessivamente repetitivos, interesses restritos e insistência nas mesmas coisas. Pessoas do sexo masculino são quatro vezes mais diagnosticadas que do sexo feminino. É importante ressaltar que para diagnóstico se faz necessário avaliar aspectos culturais de interação social, comunicação não verbal e relacionamentos. Pois os fatores culturais e socioeconômicos podem afetar na identificação ou diagnóstico desse transtorno. Sendo pertinente salientar que os diagnósticos são mais confiáveis quando embasados em inúmeras fontes de informações, entre elas podemos citar observações do clinico, relato trazido pelo cuidador e se possível o relato do próprio individuo em questão. Estando disponíveis também alguns instrumentos padronizados para diagnóstico do comportamento, com propriedades psicométricas, envolvendo entrevistas com cuidadores, questionários e medidas de observações clínica, permitindo uma maior confiabilidade no diagnóstico (APA, 2013).

É valido ressaltar que ainda não existem testes laboratoriais específicos para a identificação do autismo. Diante de várias características que indicam o TEA, geralmente o médico solicita exames para investigar as prováveis condições ou doenças que tem causas identificáveis e podem denotar um quadro de autismo infantil, como a síndrome do X-frágil, fenilcetonúria ou esclerose tuberosa (MELLO, 2007; FRANÇA, 2011; DEMIRA; MARQUEZ, 2000; ASSUMPÇÃO JÚNIOR, 1983).

As características do transtorno do espectro autista tornam-se visível na primeira infância. Seus sintomas por vezes são reconhecidos durante o segundo ano de vida (24 meses) embora já possa ser identificado antes dos doze meses, caso os sinais de atraso sejam graves. Os primeiros sintomas englobam atraso no desenvolvimento da linguagem. É pertinente enfatizar que o TEA não é um transtorno degenerativo, sendo possível um continuo processo de aprendizagem (APA, 2013).

Para lidar com pessoas com autismo se faz necessário uma intervenção multidisciplinar, destacando-se os acompanhamentos psicoterapêuticos, fonoaudiológicos, equoterapia, musicoterapia, entre outros (MELLO, 2007). O tratamento deve incluir técnicas de mudanças de comportamento, programas educacionais e terapias que visem o desenvolvimento da linguagem e comunicação, pois além dos déficits sociais e cognitivos, os problemas de comportamento apresentados pelos autistas trazem uma grande preocupação, e esses dificultam a integração dos mesmos dentro da família e da escola. Nas crianças os problemas de comportamento envolvem hiperatividade, desatenção, agressividade e comportamentos autoagressivos (GADIA; TUCHMAN; ROTTA, 2004). 

Destacam-se outros métodos de intervenção utilizados para favorecer o desenvolvimento da pessoa com TEA e entre eles podemos citar: O Treatment and Education of Autistic and related Communication Handicapped Children (TEACCH) instrumento desenvolvido nos anos 60 no Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina dos Estados Unidos, avalia a criança, levando em conta os seus pontos fortes e suas maiores dificuldades, combinando diferentes materiais visuais para organizar o ambiente físico através de rotinas e sistemas de trabalho, de forma a tornar o ambiente mais acessível e compreensível, visando promover independência e o aprendizado (MELLO, 2007; ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DE AUTISTAS, 2011).

Applied Behavior Analysis (ABA) é um tratamento que tem por objetivo ensinar à criança habilidades necessárias para que elas possam adquirir independência e uma melhor qualidade de vida. Dentre as habilidades ensinadas incluem-se comportamentos sociais, comportamentos acadêmicos, bem como atividades da vida cotidiana, como higiene pessoal. Habilidades essas ainda não adquiridas e que são ensinadas por etapas. A análise comportamental aplicada se embasa no desenvolvimento dos princípios fundamentais da teoria do aprendizado baseado no condicionamento operante e reforçadores visando desenvolver comportamentos socialmente significativos, habilidades comunicativas e reduzir comportamentos indesejáveis. Ou seja, respostas negativas ou “birras” não são reforçadas. A criança será avaliada para que se identifique quais eventos que funcionam como reforçadores para os comportamentos negativos, já a resposta adequada da criança tem como consequência a ocorrência de algo agradável para ela, o que na prática gera uma recompensa. Quando a recompensa é utilizada de forma coerente, a criança tende a repetir a mesma resposta. A criança é levada a trabalhar de forma positiva, para que não ocorram os comportamentos indesejados, de forma que o aprendizado se torne melhor adaptado (MELLO, 2007; ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DE AUTISTAS, 2011).

O Picture Exchange Communication System (PECS) significa “sistema de comunicação através da troca de figuras”, é um instrumento que tem por objetivo auxiliar crianças com autismo ou com outros distúrbios de desenvolvimento a conseguir habilidades na comunicação, fazendo com que também a criança perceba que através da comunicação ela pode adquirir rapidamente as coisas que almeja, incentivando-a, a comunicar-se contribuindo assim, para diminuição de comportamentos inadequados de conduta (ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DE AUTISTAS, 2011; MELLO, 2007).

O tratamento pode ser feito também através de medicamento, sendo que esse deve ser indicado e prescrito pelo médico, podendo ser utilizado caso exista alguma comorbidade neurológica e/ou psiquiátrica e quando os sintomas interferem na vida diária. Cabe ressaltar que até o momento não existe uma medicação específica para o tratamento de autismo. Lembrando que toda medicação conta com seus riscos e benefícios (MELLO, 2007; ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DE AUTISTAS, 2011).

 

3 OS IMPACTOS PSICOSSOCIAIS QUE SÃO ACOMETIDAS AS MÃES E AS POSSÍVEIS ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO

No momento do diagnóstico os pais já são acometidos por algumas preocupações. Costa (2012) em seu estudo buscou avaliar o impacto do diagnóstico de autismo nos pais. Participaram dessa pesquisa sessenta e nove pais com filhos autistas, apesar dos resultados indicarem que os impactos são moderados. Pode se notar que os pais ainda não conseguiram superar o choque inicial, mostrando-se apreensivos quanto ao futuro do filho.

É pertinente salientar que as famílias que se sentem ameaçadas quanto ao futuro, na sua maioria são aquelas que os filhos autistas apresentam sintomas mais severos e consequentemente mais dependentes de cuidados, e as famílias com menos recursos financeiros e acesso a serviços (FÁVERO, 2005).

É válido apontar que o autismo, quando se manifesta, promove alteração em toda a dinâmica familiar, principalmente na relação mãe e filho e em muitos casos implica até mesmo no rompimento de vínculos afetivos. Diante da situação de vulnerabilidade e de dependência do filho autista, as mães passam a dedicar-se integralmente aos mesmos, acarretando muitas responsabilidades, como os cuidados com o lar, com a família e ainda com o filho autista, o que desencadeia grande sobrecarga emocional e física (NUNES; SANTOS, 2010).

Zanatta et al. (2012) apontam que, com a descoberta do diagnóstico, a família também passa por um processo doloroso de perda, seguido por um processo de aceitação de uma síndrome crônica que não tem cura. A família nesse momento perde o sonho de ter um filho saudável, independente e realizado. Se deparando com o fato de ter que reestruturar a família para que possam promover um auxilio a esse filho, no que diz respeito ao desenvolvimento de algumas habilidades. Juntamente a isso, podem surgir acontecimentos que modifiquem a qualidade do meio familiar.

Qualquer família que se defronte com as limitações de um filho, está diante de um encontro com o desconhecido. Encarar essa realidade imprevisível causa angústia, desordem, frustrações e receio. Portanto, desempenhar o papel de ser mãe e de ser pai, torna-se uma experiência complexa, pois é sobre os mesmos que recaem as maiores responsabilidades relacionada aos seus filhos (BUSCAGLIA, 2006).

As dificuldades que permeiam esse contexto de se ter um filho com autismo, se inicia desde a infância, pois os mesmos, enquanto pessoas que vivenciam uma condição crônica enfrentam dificuldades desde a realização de tarefas cotidianas, pois esse transtorno afeta tanto as condições físicas, quanto mentais do indivíduo, aumentando a demanda por cuidados e, com isso o nível de dependência de pais e/ou cuidadores. Vale ressaltar que a mãe é a principal cuidadora dos filhos com autismo, desse modo, está mais suscetível ao desenvolvimento de altos níveis de estresse, o que resulta em sobrecarga (SCHMIDT; DELL’AGLIO; BOSA, 2007).

Zanatta et al. (2012) em sua pesquisa com seis mães de autista puderam identificar que conviver com o autismo é para família uma missão exaustiva e que acarreta sofrimentos. E as mães evidenciaram que a rotina de cuidados é árdua e cansativa, pois demanda esforço físico e causa um desgaste emocional, pois não concebem avanços na criança. Revelou, também, que as mesmas passam por um sofrimento não só devido aos cuidados que o filho com autismo exige, mas percebe-se o quanto o olhar preconceituoso do outro lançado ao seu filho, as incomoda.  Optam pelo isolamento social, por ficar em casa, em uma tentativa de poupar os filhos dos olhares discriminatórios por partes de pessoas que não entenderão os comportamentos dos seus filhos. Nesse mesmo estudo, aponta-se a necessidade de fortalecer as redes sociais de apoio aos familiares e às crianças com autismo, visando oferecer-lhes suporte técnico e emocional para lidar com os desafios decorrentes do autismo. O apoio social que as mães recebem, é um dos fatores que parece amenizar o estresse materno e evita que o mesmo progrida para fases mais agudas (SCHMIDT; BOSA, 2007).

Conforme Borges e Boeckel (2010) as mães se restringem ao lar muitas vezes como forma de proteger seu filho do preconceito. Goffman (1982) aponta que a família sente-se pressionada socialmente quando tem um elemento que não corresponde às expectativas sociais. Contudo, cabe ressaltar que a superproteção da família interfere no desenvolvimento do filho que tem essa especificidade, é fundamental que a mesma possibilite o contato e socialização com outras pessoas (BUSCAGLIA, 2006). “As dificuldades de socialização podem atrapalhar a pessoa durante toda a vida, mas se tornam mais evidentes a partir do início da adolescência, pois nessa fase surge a necessidade de aceitação por um grupo”(SILVA; GAIATO; REVELES, 2012, p.30). A família enquanto primeiro ambiente socializador da criança, deve influenciar o individuo quanto as suas relações em outros subsistemas sociais, que perpassam a esfera familiar (SILVA; DESSEN, 2004).

É pertinente salientar que desde quando o autismo começou a ser estudado, com todas as incertezas do ponto de vista diagnóstico, a figura dos genitores sofrem impactos. Esses familiares, em geral as principais figuras de apoio á criança, receberam erroneamente a responsabilidade pelo que aparentemente ocorria com seus filhos. Houve uma vertente teórica que atribui o quadro autista em crianças a incapacidade dos pais em dar afetos aos filhos. A essa corrente nomeou-se “mãe geladeira” estigmatizando e atribuindo culpa, principalmente a mãe, acarretando sobrecarga emocional para as mesmas Essa hipótese posteriormente foi comprovada como falsa (FILHO; CUNHA, 2010). Mesmo essa hipótese sendo descartada, Silva, Gaiato e Reveles (2012) indicam que a mãe ainda é criticada pela sociedade. Tendendo a se culpar muitas vezes, achando que falhou no processo educacional, esse processo de culpabilização por parte das mães continua, existindo ainda profissionais desinformados que atribuem a causa do autismo às mães.

A adaptação às diversas modificações que ocorrem desde o momento do diagnóstico depende de mecanismos que variam de acordo com cada pessoa. Fatores como a personalidade e disponibilidade de recursos, sejam eles pessoais ou sociais, incluindo informações e orientações, contribuem para o uso de estratégias que facilitam na busca de uma melhor adaptação a nova condição (FÁVERO, 2005).

O conjunto das estratégias utilizadas pelas pessoas para adaptarem-se a circunstâncias adversas ou estressantes é geralmente definido como Coping (ANTONIAZZI; DELL’AGLIO; BANDEIRA, 1998). Sendo caracterizado como todos os empenhos na busca de controle, não ponderando as consequências, ou seja, é uma resposta ao estresse, seja ela cognitiva ou comportamental com o intuito de reduzir as suas condições aversivas (SAVÓIA, 1999).

O estresse pode ser compreendido como uma reação do organismo que ocorre quando ele precisa lidar com situações que demandem um grande esforço emocional para serem superadas (LIPP; ROCHA, 1994). As pessoas reagem de modo peculiar frente às circunstancias estressoras da vida. O coping é uma dessas formas de reação particular que as pessoas desenvolvem para lidar com as adversidades, no contexto de sua cultura, sociedade e época, aliviando os aspectos negativos das situações de estresse (FÁVERO; SANTOS, 2005).

Os estressores podem ser encontrados no local de trabalho, ou estar relacionados com assuntos da esfera pessoal e ambiental. No trabalho, pode está ligado ao envolvimento de conflitos intrapessoais, pressões do tempo, aspectos físicos do local do trabalho. No fator pessoal, destacam-se as preocupações financeiras, os conflitos com os filhos, as dificuldades conjugais, as preocupações de saúde; em relação ao meio ambiente; o local onde a pessoa reside pode ser um gerador de estresse (SAVÓIA, 1999).

Antoniazzi, Dell’Aglio e Bandeira (1998) ainda apontam que a estratégia de coping não pode ser analisada como boa ou má, adaptativa ou mal adaptativa, contudo precisa ser ponderada a partir do contexto em que ocorreu o episódio de estresse, das características do próprio evento e dos indivíduos em questão. O coping deve ser considerado independente do seu resultado positivo ou negativo. E novas formas de coping podem surgir a cada nova demanda, pois uma estratégia não pode ser avaliada como eficaz para todos os tipos de estresse, podendo mudar com o tempo. Os autores citado acima ressaltam que a mesma estratégia de coping que alivia o estresse pode ser a causa de dificuldades futuras.

A literatura descreve duas estratégias de coping. Este pode estar centrado no problema ou na emoção. No primeiro caso, a estratégia visa alterar as relações entre as pessoas e o ambiente. Já no segundo caso a finalidade do sujeito é adaptar a resposta emocional ao problema. Ambos influenciam-se mutuamente em todas as situações estressantes e podem ser utilizadas pelas pessoas, o que define a forma usada de coping está determinada, em parte, por seus recursos pessoais que envolvem saúde, energia, crenças existenciais, habilidades de solução de problemas, habilidades sociais, suporte social e recursos materiais (SAVÓIA, 1999).

Schmidt (2004) em seu estudo de estratégias de coping utilizadas pelas mães, tanto no que se refere às dificuldades apresentados por seus filhos, quanto para lidar com a emoção decorrente destas situações, identificaram e descreveram nove categorias como forma de enfrentamento a um evento estressor, sendo elas: ação agressiva, evitação, distração, busca de apoio social/religioso, ação direta, inação,  aceitação, expressão emocional e a reavaliação/planejamento cognitivo.

A ação agressiva pode ser compreendida como as respostas físicas, motoras ou verbais que podem ocasionar prejuízos ou violentar psicologicamente o filho. A evitação corresponde à estratégia que abrange tentativas cognitivas ou comportamentais que levam o indivíduo a se distanciar da situação de estresse, evita saber da existência do estressor. Abrange situações como ir dormir, se distanciar das pessoas envolvidas e da situação, evitando pensar sobre o problema. Na distração incluem comportamentos ou pensamentos que postergam a necessidade de lidar com o estressor, nesta estratégia o individuo opta por fazer outra coisa, uma atividade diferente como: jogar, assistir TV, ler, entre outras.

A busca de apoio social/Religioso se refere a comportamentos que envolvem a busca de apoio de uma pessoa mais próxima ou apoio religioso, esse pode ser uma oração como auxílio no enfrentamento da situação estressora. A ação direta diz respeito a comportamento que age diretamente sobre o estressor ou modifica suas características, fazendo o enfrentamento da situação, buscando resolver o conflito. Inação: compreende o comportamento de ficar parado diante da situação, sem ter iniciativa alguma até que o estresse passe.

A estratégia da aceitação abrange condições em que a pessoa aceita passivamente a situação, submetendo-se às exigências do estressor, um dos exemplos citado pelos autores nesse quesito, é que as mães cedem à vontade dos filhos a qualquer custo. Expressão Emocional é entendida como resposta ao  estressor revelando o estado emocional ligado ao evento, como por exemplo: chorar, demonstrar tristeza, irritação. Reavaliação/Planejamento Cognitivo: diz respeito a esforços cognitivos para criar novos sentidos sobre o problema enfrentado, refletir sobre novas formas de como resolvê-lo e/ou compreendê-lo de acordo com novas perspectivas, redefinindo o próprio estressor, os autores exemplificam que nessa estratégia muitas mães começam a pensar em situações piores do que as que vivenciam, como forma de dar novos significados para as circunstancias estressoras vividas.

Sprovieri e Assumpção Jr. (2001) avaliaram quarenta e cinco famílias, sendo quinze de autistas, quinze famílias de crianças com Síndrome de Down e quinze famílias com crianças saudáveis, buscando investigar a dinâmica familiar das mesmas. E identificou-se que nas famílias com pessoas autistas que a comunicação é pouco clara e também menos investida de carga emocional adequada. É válido salientar que tanto nas famílias com pessoas autistas, quanto à de pessoas com Síndrome de Down, dificultam a promoção de saúde nos membros do grupo. Se manifestando através das dificuldades de comunicação, liderança, interação familiar e conjugal. Concluíram que essas famílias se organizam em torno de algum padrão de cronicidade e que a deficiência funciona como elemento organizador dos padrões relacionais. Indicando que a dificuldade de favorecer a saúde emocional se apresenta na medida em que estes sistemas familiares não dispõem de recursos internos e externos que auxiliem frentes as tensões.

 

REFERÊNCIAS

ALVES-MAZZOTTI, A.J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Pioneira, 2000.

ALVES-MAZZOTTI, A.J.; GEWANDSZNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 1998.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM IV TR. Tradução de Cláudia Dornelles. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM V. Tradução Maria Inês Corrêa Nascimento et al. 5.ed. Porto Alegre: Artmed, 2013.

ANTONIAZZI, A. S.; DELL'AGLIO, D. D; BANDEIRA, D. R. O conceito de coping: uma revisão teórica. Estud. psicol. Natal. v.3, n.2, p. 273-294, 1998.

ASSUMPÇÃO Jr., F.B. et al. Esclerose tuberosa: estudos multidisciplinar de 15 casos. Arquivos de Neuropsiquiatria, v.41, n.2, p. 1-8, 1983.

Associação de pais, amigos e pessoas com deficiência, de funcionários do Banco do Brasil e da comunidade. Disponível em: < http://www.apabb.org.br/historico/>. Acesso em: 13 dez. 2015.

ASSOCIAÇÃO DE AMIGOS DO AUTISTA. 2011. Disponível em: < http://www.ama.org.br/site/pt/tratamento.html>. Acesso em: 07 set. 2015.

BASTOS, OM; DESLANDES, SF. Sexualidade e o adolescente com deficiência mental: uma revisão bibliográfica. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/csc/v10n2/a17v10n2.pdf>. Acesso em: 06 dez. 2015.

BORGES, H. C. M; BOECKEL, M. G. O Impacto do Transtorno Autista na vida das mães dos portadores. 2010. Disponível em: < https://psicologia.faccat.br/moodle/pluginfile.php/197/course/section/98/HELLEN_CHRISTINA_MICHAELSEN_BORGES.pdf>. Acesso em: 08 set. 2015.

  

Sanyara Silva de Freitas  2015

Faculdade Castro Alves - São Salvador - BRASIL